sexta-feira, 27 de julho de 2012

Tome uma garapa para acalmar

Foto histórica.
Da esquerda para a direita Otávio Marcondes Ferraz, diretor de engenharia da CHESF, Álvaro de Carvalho, Euclides Ribeiro e o garoto em pé e de camisa branca é Euclides Batista Filho.

(escrito originalmente em 20/10/2009)

Colegas de todos os estados de nervos.

Hoje em dia quando o sujeito está nervoso, preocupado, perturbado, estressado etc. toma um calmante, uma dose de uísque, tira férias, vai "namorar", lê um livro de auto-ajuda ou então vai ao psicólogo que logo em seguida já começa a dizer que se sente bem melhor (quem quiser que acredite). No meu tempo de menino, quando o cara tava aperreado tomava uma água com açúcar e já se sentia melhor. Uma notícia de morte, um susto ou qualquer coisa do gênero, bastava uma garapinha e o cabra já se sentia aliviado. Uma solução adequada para cada época.

No tempo em que morei nas terras baianas de Paulo Afonso, tive a oportunidade de conhecer um cara do qual muito me orgulho de tê-lo no rol dos meus amigos. Euclides Batista Filho nasceu em 1945, nessa cidade, numa barraca de lona. O detalhe é que, naquela época, naquele lugar não havia uma cidade e sim um acampamento que abrigava os trabalhadores que construíam uma pequena usina hidrelétrica que ficou conhecida como Usina Piloto, uma obra precursora do grande projeto que veio a ser a exploração do potencial hidrelétrico da Cachoeira de Paulo Afonso que culminou com a criação da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco em 1948. Com apenas 14 anos de idade, vendo-se órfão, Euclides procurou e conseguiu um emprego no almoxarifado da CHESF como datilógrafo. Com aquela idade ele era tão pequeno que, para que ele pudesse alcançar a máquina de datilografia, era preciso colocar dois catálogos telefônicos no assento da cadeira. Apesar de ter que dividir o seu tempo entre a escola e o trabalho, sua postura e empenho o levaram a colher as boas graças do Chefe do Almoxarifado que era o Seu Álvaro de Carvalho.

Como a convivência com sua madrasta não era das melhores, certo dia o garoto procurou seu chefe e pediu que ele arranjasse um alojamento de solteiro para ele morar. Seu Álvaro gostava de fumar um charuto que nunca lhe saia da boca, de modo que ele sempre falava com os dentes cerrados para não derrubar o charuto. O homem olhou para o menino e disse:

 - Ora porra! Tu é “de menor”, você não sabe que para um “de menor” ter um alojamento precisa ter alguém que se responsabilize por ele?

Euclides olhou para ele e com a firmeza com que fala até o dia de hoje disse:

 - Sei sim senhor.

 - E quem é esse responsável? Porra!

 - O senhor.

Seu Álvaro teve um susto tão grande que quase engoliu o charuto.

 - Porra! Como é que eu posso me responsabilizar por você?

 - O senhor pode, porque o senhor me conhece, sabe dos meus procedimentos e o senhor tem autoridade para me dar e me tirar do alojamento.

O homem pensou um pouco e em seguida mandou a secretária preparar uma ordem para que Euclides recebesse o alojamento. O fato era tão inusitado que ele teve que usar de toda sua autoridade para que sua ordem fosse cumprida, mas tenho certeza que Seu Álvaro nunca se arrependeu da sua decisão. Certo dia a CHESF resolveu transferir uma série de funcionários para a sede da Companhia, que àquela época era na cidade do Rio de Janeiro. Dentre esses funcionários estavam Álvaro de Carvalho e Euclides Batista e foi na Cidade Maravilhosa que Euclides desenvolveu sua produtiva vida profissional.

Certa ocasião, numa das nossas longas conversas, Euclides me contou que nos seus tempos de menino havia um doido que perambulava pelas ruas de Paulo Afonso conhecido pelo nome de “Garapa”. Costumeiramente o rapaz era um sujeito pacato e não criava problema com ninguém, mas o seu comportamento se alterava totalmente quando alguém o chamava pelo seu apelido de modo que, quando ele era assim chamado, o tempo fechava. O sujeito gritava palavrões, atirava pedras e corria atrás da moleca que se divertia perturbando o infeliz.

Euclides contou que tinha dois colegas da mesma idade dele que eram por demais traquinos. Chamavam-se Washington e Luiz Gonzaga (não confundir com o Rei do Baião). Certo dia, Washington e Luiz perceberam que “Garapa” gostava de descansar à sombra de umas árvores, próximo do antigo Posto de Saúde lá da Rua das Flores. Decididos em perturbar a vida do doido que estava ali, parado sem mexer com ninguém, os dois posicionaram-se nas laterais do Posto de Saúde e um deles gritou:

 - Água.

Logo em seguida, do outro lado do Posto de Saúde, o outro gritou:

 - Açúcar.

“Garapa” nem se perturbou, acreditando que aquilo não dizia respeito a ele. Mas os gritos continuavam até que, finalmente, o coitado percebeu a malícia. Um gritava água e o outro respondia gritando açúcar e quanto mais eles gritavam mais o sangue de “Garapa” esquentava. Sem conseguir identificar exatamente de onde partiam os chamados, até porque cada um dos ingredientes chegava de lados opostos, o coitado começou a ter aquela vontade louca de pegar os dois pestinhas e esganá-los. O problema é que, se corresse para tentar pegar um, o outro inevitavelmente escaparia. O dilema era grande, o juízo era pouco e os meninos continuavam a gritar:

 - Água

 - Açúcar

"Garapa" perturbado, olhou prum lado, olhou pro outro, percebeu que nem os meninos iriam parar, nem ele iria conseguir pegá-los e num gesto de desespero gritou:

 - Mistura peste! Mistura se vocês têm coragem! Mistura que eu pego vocês e mostro o que é garapa!

Meus caros colegas. À semana passada não pude escrever para vocês porque tive alguns compromissos, portanto gostaria de transmitir um duplo desejo que todos tenham uma ótima semana e, ao mesmo tempo, transmitir através dos cariocas e caetés honorários os meus cumprimentos à Cidade Maravilhosa pela conquista de cidade sede das olimpíadas de 2016. Antes que alguém comente, saibam que eu tenho consciência que os cumprimentos estão seguindo um pouco atrasados, mas, assim mesmo, vão de coração.

Enquanto isso, lá pras bandas da Cachoeira de Paulo Afonso, em pleno gozo da sua merecida aposentadoria, Euclides Batista Filho é um verdadeiro arquivo vivo da história da Capital da Energia

Saúde, luz e paz.

Virgílio Agra

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