terça-feira, 28 de maio de 2013

Família é Sagrada e é para sempre.

Sagrada Família
Alunos da 1ª e 2ª série – 1969
Em pé à esquerda Profa. Fátima, ao centro Irmã Letícia e à direita Profa. Evangelina

Colegas de todas as escolas

Onde se cruza a história de uma jovem holandesa e de um simples caeté?

A história que vou contar hoje começou na cidade de Roterdã, na Holanda, quando em 1929 nasceu Laetitia Van Fulpen. Dez anos depois, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, este país foi invadido pela Alemanha que impôs um racionamento de alimentos aos cidadãos holandeses, de modo que, durante este período, o café da manhã da família era apenas uma fatia de pão para cada um. A cada dia, seu pai saia para arranjar alguma coisa para comer e, de acordo com o que obtivesse, à noite era servida uma sopa com aquilo que ele conseguira.

Desde menina Laetitia sentiu a vocação para a vida religiosa, de modo que um dia tornou-se freira e foi para o antigo Congo Belga, onde abriu uma escola enquanto outras freiras atuavam junto à população local na área de saúde e assistência aos mais carentes. Em 1960, o Congo Belga conquistou sua independência e ela, juntamente com as outras missionárias, teve que deixar o país. No entanto, algum tempo depois, todas retornaram para dar continuidade aos seus trabalhos. Durante este novo período ocorreu uma guerra civil no país e, em dado momento, foi transmitida uma ordem às tropas posicionadas na região onde ela trabalhava para que fossem mortos todos os mercenários. Como os cabras nunca tinham ouvido a palavra "mercenários", procuraram no seu linguajar corrente algo que se assemelhasse e entenderam que tratava-se dos "missionários". Eu sei que o assunto lembra uma piada, mas não era. Logo eles partiram para a vila onde as freiras estavam, prenderam todas elas e as posicionaram para execução. Neste momento, alguns soldados começaram a questionar a ordem porque tinham filhos que estudavam na escola que as freiras mantinham e outros, cujas esposas tinham ficado doentes, haviam recebido assistência médica da parte delas. O tempo que durou a discussão entre os homens não foi longo, mas foi suficiente para que chegasse a contra-ordem e assim elas escaparam da morte certa. No entanto, foram deportadas e não mais puderam voltar ao país africano.

Enquanto isso, lá na beira do rio Ipanema, no sertão de Alagoas, eu ainda era menino pequeno e só sabia que existia escola porque via minhas irmãs falarem que iam à escola e porque eu as via estudando sob a orientação de minha mãe, que na época usava o auxílio de uma "pequena" palmatória. No início de 1968 meus pais disseram que eu iria para uma escola que começaria a funcionar naquele ano aproveitando duas salas que existiam na igreja da Sagrada Família. Lá, fui estudar a Cartilha com Dona Sebastiana, digo Dona porque naquele tempo menino não chamava professora de tia. Para mim foi um mundo novo que se abriu. Lá eu tinha muitos meninos para brincar e, no quintal da igreja não faltava espaço para correr e touceiras de capim onde brincávamos de esconder. Mas, o que mais me impressionava era a Diretora da escola. Chamava-se Irmã Letícia, vinha da Holanda, um país que eu não sabia onde ficava,  falava com um sotaque bem carregado e era a primeira freira que eu vi na vida. Era branca e seus braços eram cheios de sardas e, na minha visão de criança, parecia uma pessoa enorme. Os trajes que ela usava eu nunca esqueci, a cabeça estava sempre coberta por um véu de tecido, a blusa era normalmente de cor clara de mangas curtas e a saia vinha a até o meio da canela e era de uma cor acinzentada. Uma coisa que me chamou a atenção, era o fato de ela usar o relógio no lado interno do braço, de modo que, para ler as horas, ela sempre tinha que mostrar a palma da mão.

Irmã Letícia chegou a Santana do Ipanema graças ao trabalho do Padre Cirilo. Começou seu projeto de educação no sertão de Alagoas nos fundos da Igreja da Sagrada Família. No ano seguinte, 1969, a escola passou a ocupar o prédio onde funcionara a sede do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) em Santana. Para minha felicidade, o prédio era exatamente em frente à minha casa e aí, era só atravessar a rua e estava na escola.

Pelo fato de ser dirigido por uma freira, o colégio passou a ser conhecido pela população como o "Colégio das Freiras". Apesar dos poucos recursos e instalações modestas, a escola oferecia uma educação de qualidade como nunca se vira antes naquela cidade. Lá estudava o filho do rico e o filho do pobre. Quem podia pagava mais, quem podia menos pagava menos e quem não podia, nada pagava. Quando os recursos financeiros escasseavam a diligente freira ia buscá-los no seu país de origem. Como para alguns alunos faltava até condições de terem uma roupa boa para assistir as aulas, Irmã Letícia trazia roupas da Holanda para eles.

Acho que um dia de vida da Irmã tinha mais de 24 horas, porque além de todos os trabalhos administrativos do cargo de diretoria, ela ainda encontrava tempo para dar as aulas de religião e nos ensinar a cantar, fazendo aqueles movimentos próprios de uma regente de orquestra. Ela também coordenava a nossa participação nos eventos religiosos da cidade e, apesar de ser estrangeira, conduzia pessoalmente os ensaios dos alunos para os eventos comemorativos das nossas datas cívicas, além de encontrar tempo para encadernar nossas provas, prendendo as folhas de papel com um laçinho de fita.

Em 1972 o Instituto Sagrada Família formou a sua primeira turma do antigo Curso Primário e eu tenho muito orgulho de dizer que fui um dos componentes desta turma histórica. Na nossa "formatura" os próprios alunos proferiram discurso, encenaram teatro e, naturalmente, houve a entrega dos "diplomas". Como a escola não oferecia, naquela ocasião, o curso ginasial, todos tiveram que ir para outras escolas, em Santana do Ipanema ou em outras cidades. Eu não sabia, mas aquele foi o dia em que aquelas 20 crianças estiveram juntas pela última vez.

O tempo passou, o colégio cresceu, novas turmas foram criadas, novas salas foram construídas e mais e mais alunos passaram pelas suas bancas. Um dia, acho que eu já estava na universidade, vivendo nas bandas da beira do mar, passeando por minha cidade natal tive vontade de visitar minha primeira escola. Lá chegando, fui recebido com um imenso sorriso e aquele abraço gostoso que a Irmã Letícia sempre teve para todos os seus "filhos". Naquela ocasião tive a honra de visitar todas as instalações do Instituto Sagrada Família, conduzido pela sua ilustre Diretora que encontrou um tempo na sua agenda de mais de 24 horas para me acompanhar.

Quando o Sagrada foi para o prédio do DNOCS só havia quatro salas de aula, uma sala para os professores, outra para a diretoria e uns banheiros simples, com piso de cimento alisado. Quando o visitei pela última vez, encontrei uma escola dotada de muitas outras salas, auditório, laboratórios, biblioteca e uma simpática capelinha que Irmã Letícia me disse, ser o seu lugar favorito.

O tempo passou e um dia o Padre Cirilo morreu. Tempos depois a Irmã Letícia foi transferida para outra cidade e a direção da escola passou para outras mãos. Certo dia o telhado da escola desabou, prenunciando a marcha da história. Campanhas foram feitas para a recuperação do prédio, recursos foram adquiridos, mas o destino do "Colégio das Freiras" já estava traçado. Hoje, no antigo prédio do DNOCS, funciona uma escola da rede municipal.

Há muitos anos o Instituto Sagrada Família deixou de existir como instituição formal de ensino. Acabaram-se os tempos em que as provas eram encadernadas com laçinhos, laços feitos por mãos que afagavam alunos como se fossem filhos, como também se acabaram os tempos em que uma freira andava de bicicleta pelas ruas de Santana do Ipanema. Mas, está muito longe de chegar o tempo em que o Sagrada deixará de existir nos corações e mentes de todos aqueles que passaram pelas suas bancas, afinal de contas, família é sagrada e é para sempre.

Irmã Letícia não trabalhou sozinha em Santana do Ipanema, é importante e justo reconhecer que o trabalho realizado teve a participação importantíssima da Irmã Ana, na área da educação e da Irmã Leoncia, que dirigia um fusca levando saúde às áreas onde nunca havia chegado um médico. Irmã Letícia e Irmã Leoncia encontram-se atualmente recolhidas na Casa Mãe da sua ordem religiosa, na cidade de Asten, na Holanda. Irmã Ana, lamentavelmente teve uma morte trágica na década de 80. A todas as jovens holandesas que um dia, deixando para trás seus lares e suas famílias dedicaram suas vidas para o bem dos menos favorecidos, o meu sincero obrigado.

Caros colegas, tendo em vista mais uma semana que se inicia, quando tiverem diante de si as preocupações e aperreios do dia-a-dia, procurem lembrar-se de uma passagem dos seus tempos de infância. Eu tenho a impressão que todos acharão, nem que seja no fundo do baú, boas lembranças que, com certeza, acalentarão a alma.

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra

(Escrito em 02/05/2011)


Relação dos 20 alunos que concluíram a 4ª Série do Ensino Primário - 1972

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Distração e desimpaciência.


Adinaldo, Sandra, Felipe e Heline

Colegas de todas as profissões

Se você está lendo esta crônica, significa que você, no mínimo, aprendeu a ler na escola onde estudou. Neste grande país umas instituições de ensino enfrentam grandes dificuldades para cumprir os seus objetivos, enquanto outras se orgulham dos seus níveis de excelência, mas uma coisa é certa, não importa em que escola você estudou, a cultura popular te reservará boas e grandes lições.

Há umas semanas atrás, empreendi uma visita a uma amiga chamada Sandra, que estudara comigo nas bancas do Instituto Sagrada Família, lá nas bandas da Ribeira do Panema. Além da oportunidade de relembrar velhos tempos, bote tempo nisso, tive a oportunidade de conhecer sua família, composta por seu esposo e um casal de filhos. A garota ainda é estudante, mas o rapaz formou-se recentemente em odontologia e já está batalhando em busca do seu devido espaço no mercado de trabalho.

Felipe é o tipo de cara que conquista você somente com o seu sorriso e, além de inteligente e comunicativo, é também extremamente perspicaz, qualidade que este simples caeté tanto admira. Começando sua vida profissional, ele não se intimidou com as dificuldades e foi trabalhar numa clínica na cidade de União dos Palmares, lá no pé da Serra da Barriga, berço do Quilombo dos Palmares. Quando ele chegou naquela cidade do interior, entrou um paciente no seu consultório e foi logo dizendo:

 - Doutor, eu vim aqui para o senhor "distrair" meu dente.

Ele na hora ficou em dúvida se contratava uma banda de forró para fazer um show ou se chamava um grupo de boêmios para fazer uma serenata para o dente doente. Na dúvida, ele começou a cantarolar ao mesmo tempo em que perguntava ao homem se o dente estava mais calmo. Ora essa! O menino passou cinco anos na faculdade, saiu sabendo o nome de cada neurônio do queixo de uma pessoa e não teve um único professor que dissesse para ele que na linguagem do matuto não existe extração e sim "distração".

O tempo passou e um belo dia, o jovem odontólogo (ele não aceita ser chamado de dentista) atendeu certo paciente e apresentou o diagnóstico. O cara então foi direto ao assunto e perguntou o quanto custava o tratamento. O sujeito já tinha consultado outro odontólogo e, espantado com o preço apresentado, disse:

 - Vige Maria Doutor! O preço do sinhô é o "quadrúpede" do outro.

Diante da cavalar comparação Felipe só ficou em dúvida se ria ali mesmo, na frente do cliente, ou se saia da sala para rir do lado de fora.

Outro dia chegou um senhor de idade com o queixo todo inchado por causa de um dente. O garoto olhou a situação e viu que o quadro era grave e, caso não fossem dispensados os devidos cuidados, o homem poderia ser vítima de uma grave infecção. Após a análise do problema veio a pergunta que era de se esperar, ou seja, quanto custaria o tratamento. O dente do cara devia estar doendo pra danar, mas quando ele soube o quanto custaria... A notícia doeu muito mais. O homem começou a chorar porque não tinha o dinheiro suficiente para pagar. Felipe disse que esse foi um dos momentos mais difíceis da sua carreira profissional ainda se iniciando. Naquele momento sua consciência ficou se batendo entre o princípio ético de cobrar um preço justo pelo serviço prestado e outro princípio que manda amar ao próximo como a si mesmo. Sabendo que a não realização do procedimento poderia significar até mesmo a morte do paciente e, sendo filho de quem ele é, a escolha não poderia ser outra, disse ao homem que se acalmasse que ele faria o tratamento.

Terminado o seu horário de trabalho, ao passar pela recepção da clínica, a recepcionista procurou o nosso "Boticão de Ouro" para entregar um dinheiro. Tratava-se de uma quantia que aquele homem havia deixado como pagamento pelo tratamento, eram apenas 25 reais e era tudo que ele tinha nos bolsos, era o valor máximo que ele poderia pagar. Dias depois, ao chegar à clínica para mais uma jornada de trabalho, soube que o mesmo homem havia deixado um saco de mangas e outras frutas, como recompensa pelo tratamento humano que recebera, era o jeito dele demonstrar sua gratidão. Foi um verdadeiro festival de frutas.

É interessante observarmos que, longe dos salões acadêmicos e das camadas cultas da sociedade, as pessoas comuns do povo, dos mais distantes rincões deste grande país, na sua simplicidade encontram a sua maneira de se comunicar e cabe a nós, recebedores da dádiva da educação, e não a eles, entender a mensagem transmitida. Assim, faremos nossa parte para que as diferenças culturais não se tornem num abismo capaz de separar pessoas por conta de diferenças de escolaridade.

Voltando ao caso da "distração" do dente, lembrei-me que há uns dez anos uma velha comadre minha falando sobre seus problemas disse:

 - "Ói cumpade"! Tem horas que dá uma "desimpaciença" tão grande que eu "num" sei nem o que faço.

Como faz muito tempo, eu não me lembro o caminho que a conversa tomou, mas a expressão da minha comadre eu nunca esqueci. Refletindo matematicamente sobre a estrutura do termo, não pude deixar de concluir que a negativa de uma negação corresponde a uma afirmativa, logo des-im-paciência só pode representar paciência. Portanto, se na semana que se inicia vocês tiverem de enfrentar um grave problema, daqueles que dão aquela famosa dor-de-cabeça, procurem distrair a mente, dêem uma volta na praça, respirem ar puro, dêem um beijo na pessoa amada, mas se tudo isso não adiantar só espero que todos tenham muita desimpaciência para enfrentar os percalços da vida.

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra.

(Escrito em 04/04/2011)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Durma com um barulho desses


Complexo das Usinas Paulo Afonso III, I e II.
Foto de Mário Roberto Batista.

Colegas de todos os "grilos".

Quem assistiu ao filme "O Último Imperador", talvez se lembre de uma parte da história onde o personagem principal, o imperador da China Pu Yi, ainda criança, recebeu um estojo que continha um grilo. Se na vida real o imperador ganhou um grilo, ou não, eu não sei, pois eu não estava lá, mas a cena faz sentido por conta da significância desse inseto para os chineses que admiravam tanto o seu canto a ponto de criarem os bichinhos em gaiolas, do mesmo jeito que aqui tem gente que cria passarinho. Hoje em dia, quando viajo ao sertão e tenho uma rara oportunidade de passar uma noite na zona rural, acho gostoso dormir ouvindo o canto dos grilos, mas tenho que reconhecer que um bichinho desses dentro de um quarto fechado é uma companhia nada recomendável para uma boa noite de sono. O certo é que a interação que os povos têm com os elementos da natureza variam muito de local para local, mas uma coisa é certa, o canto de um grilo é inconfundível em qualquer lugar do mundo.

Vocês se lembram que eu falei um dia desses sobre um ex-Operador de Instalações da Companhia Hidroelétrica do São Francisco - CHESF, chamado Reginaldo Barros? Pois bem, Reginaldo tem um rol de presepadas que aprontou com os colegas que, sozinhas, davam para publicar um livro.

Como o serviço de geração de energia é contínuo, 24 horas por dia, é natural que algumas funções também precisem funcionar de maneira ininterrupta. Ou seja, do mesmo jeito que os Operadores trabalham se revezando em turnos, mantendo as máquinas e o sistema elétrico funcionando, o setor de segurança patrimonial também tem que trabalhar continuamente para  garantir a integridade física das pessoas e dos equipamentos. Enquanto que durante o dia há uma movimentação constante de técnicos das áreas de manutenção e administração, à noite os únicos postos de trabalho que se mantêm ativos são a Operação e a Segurança.

Não é necessário uma pessoa ter trabalhado em regime de plantão para saber que, quando chega o turno da noite o cansaço chega também, mas as características do trabalho exigem que o indivíduo fique alerta, pois existem rotinas que precisam ser cumpridas ao longo do período, mas, a bem da verdade, existem aqueles que, por motivos os mais diversos, não conseguem resistir.

Quando fui trabalhar na Usina Apolônio Sales, havia um carro de plantão para atender as demandas do serviço de operação e éramos nós os operadores quem o dirigia, mas em tempos anteriores havia um motorista profissional que, por conta do serviço, também tinha que ficar de plantão. Certo dia, Reginaldo percebeu que o motorista durante a noite sempre dava um "cochilo" e, para garantir maior conforto, o rapaz dormia dentro do carro. Percebendo a manobra dele, Reginaldo, inteligente como era, arquitetou um plano para pregar-lhe uma peça. O resultado foi de uma maestria que entrou para os anais da Usina.

Usando de muita habilidade e paciência, Reginaldo conseguiu capturar uma porção de grilos, os colegas falaram que devia ter sido mais de vinte grilos. Discretamente, levou os bichos para a usina dentro de uma caixa e, quando foi de noitinha, soltou os insetos dentro do carro de plantão. O grilo, apesar de ter um canto muito estridente, é por sua natureza um animal muito tímido, então, quando foram soltos, todos eles procuraram imediatamente um lugarzinho para se esconder. Uns foram para debaixo dos tapetes, outros para debaixo dos bancos, alguns por alguma pequena abertura entraram no painel do carro enquanto outros se acomodaram na primeira reentrância que encontraram. Como a viatura ficava com os vidros fechados todos os animais, sem alternativa de fuga, tiveram que encontrar abrigo dentro do carro.

Naquela noite, no pátio da usina, tudo corria dentro da maior normalidade. Vendo que tudo estava calmo, o motorista aproximou-se do veículo, abriu a porta e a luz interna acendeu. O banco do carro parecia que convidava o rapaz a sentar-se e, o convite sendo aceito, tudo caminhava para mais uma noite de sonhos. O banco foi ajustado para dar mais conforto, a porta foi fechada, a luz interna apagou-se e, naquela penumbra, o motorista fechou os olhos. De repente ele ouviu um barulhinho.

 - Triiii, triiii, triiii, triiii, triiii...

 - Ai meu Deus, "parece" que tem "um" grilo aqui dentro.

Quando o rapaz se mexeu dentro do carro e acendeu a luz interna, os grilos com a sua conhecida cautela se calaram e, logicamente, cada um procurou o seu refúgio. Após uma breve busca e, nada encontrando, o homem apagou a luz e voltou a se acomodar. Com a escuridão e o silêncio da noite os grilos voltaram à atividade.

 - Triiii, triiii, triiii, triiii...

 - Vou pegar esse grilo!

A porta foi aberta, a luz interna foi acesa, os grilos voltaram a se esconder e o motorista começou a remexer o interior do carro. Rapidamente encontrou um grilinho que imediatamente foi despejado das suas acomodações. Satisfeito, o sujeito sentou novamente e relaxou. Quando estava quase dormindo...

 - Triiii, triiii, triiii, triiii...

 - Minha Nossa, tem outro grilo.

Reiniciou-se a operação de caça ao inseto até que, após alguns minutos, ocorreu a captura de um novo grilo que foi expulso sumariamente do ambiente.

E assim correu a noite toda. O motorista se acomodava, com o silêncio e a escuridão os grilos cantavam, a luz interna do veículo era acesa, o carro era revirado e um novo grilo era despejado. Nesta noite, com certeza, o rapaz não conseguir sequer pregar o olho, mas na manhã seguinte todo mundo da usina estava rindo por causa de mais uma das astúcias de Reginaldo.

Lembrando que na década de 70, na gíria, "grilo" era uma palavra que significava problemas, gostaria de desejar a todos os meus amigos uma vida sem "grilos", porém me permitam desejar que em cada um de vocês pouse um grilo, pois na tradição chinesa um evento desses significa boa sorte.

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra.

(Escrito em 29/03/2011)

PS: Para aqueles que não assistiram “O último imperador”, de Bernardo Bertolucci, segue aqui um pequeno flash dessa magnífica obra do cinema. Para aqueles que tiveram o prazer de assisti-lo, segue uma palhinha só para recordar.


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