quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Bundas de cavalo

Revolução de 1932
Soldados montam guarda no Túnel da Mantiqueira

(escrito em 20/09/2009)

Colegas de todos os tamanhos.

As Saudações Caetés não são nada mais, nada menos, do que uma forma de manter contato com todos vocês. Contar causos ou comentar os acontecimentos da atualidade é só a desculpa para puxar conversa e mandar notícias, como se estivéssemos numa roda de bate-papo. Mas o que seria de uma boa rodada de conversa se não tivesse o famoso: "Sabe o que fulano(a) me contou?". Pois bem, é seguindo essa linha de raciocínio que hoje vou encaminhar para vocês um ótimo texto escrito por uma amiga lá das bandas das terras cariocas.

Lembram-se que da última vez que nos encontramos eu contei uma história que envolvia estação, trem, forró, oxente e baitola? Pois bem, em resposta ao mesmo recebi um texto que vem lá das bandas das terras cariocas, escrito pela caeté honorária e arquiteta Patrícia Uribbe que, por estar dentro do espírito deste espaço, não me contive e decidi contar para todo mundo, assim, sem pedir autorização nem nada. Vejam e apreciem:

"Realmente a gente nem imagina de onde vêm determinadas coisas, desde expressões até medidas ou hábitos. Lendo seu texto sobre a construção das ferrovias, lembrei de outro muito interessante que narrava como as primeiras ferrovias aproveitaram túneis originalmente abertos para a passagem de carroças puxadas por um par de cavalos. Disso resultou que as dimensões de muitas coisas foram limitadas pela bitola dos trens, até mesmo foguetes espaciais - cujo diâmetro não podia ultrapassar duas bundas de cavalo!

Outro fato interessante é a mão inglesa: os cavaleiros, que trafegavam pelas estradas sem saber quando encontrariam um inimigo, costumavam ir pela esquerda para que o coração ficasse mais protegido de um possível ataque. Essa foi a "mão" dominante até que Napoleão, ao conquistar grande parte da Europa, inverteu-a propositadamente para afirmar sua dominação sobre os territórios conquistados. Napoleão, aliás, não foi vitorioso apenas por acaso ou sorte: observando as batalhas, percebeu que havia uma grande perda na operação dos canhões. Nessa época, eram feitos em formas de barro, que eram preenchidas com metal derretido. Para tirar o canhão da forma era preciso quebrá-la, de maneira que não havia dois iguais. Grande parte das bolas simplesmente não entrava no canhão na hora H. Para completar, cada um tinha o seu atirador, que já conhecia o desvio usual daquele canhão e compensava na hora de mirar. Caso abatido, o novo atirador, por mais experiente que fosse, levava um tempão até conseguir acertar alguma coisa. Entre as muitas invenções de Napoleão está a forma que se abre, para fazer objetos em série, utilizada até hoje para os mais diversos fins, de armas a pentes de cabelo. Padronizando a produção de armas, sua vantagem sobre os oponentes foi tamanha que tornou-se um dos maiores conquistadores da história graças a seu engenho. Inventou também a medida padronizada, o metro, pois até então todas eram antropométricas: braças, pés, etc. - variavam conforme o indivíduo.

Ou seja, os foguetes são limitados pelas bundas, e se hoje andamos à direita na rua, é justamente porque o melhor era mesmo andar pela esquerda. Vá entender!!! Oxente!

Um grande abraço."

Um grande abraço para você também, Patrícia. O espírito deste espaço é o da troca de informações, curiosidades e bom humor. Muito obrigado pela sua contribuição. Fique a vontade para nos presentear sempre que quiser com seus ótimos textos.

Colegas, mais uma vez gostaria de mandar um abraço e desejar uma ótima semana para todos. Esperando que diante das agruras e percalços desta vida, cada um de vocês possa encontrar um local devido, adequado e seguro onde caiba pelo menos a sua bunda.

Saúde e paz.

Virgílio Agra.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Otília e o Xagado


Otília - 1973
Foto gentilmente cedida por Olivan Medeiros

(escrito em 22/11/2009)

Colegas de todas as cores.

Quando garoto costumava ir com meus pais a Poço das Trincheiras, a terra natal da minha mãe. Distante apenas 12 quilômetros de Santana do Ipanema, a pequena cidade está situada à margem do Rio Ipanema um pouco acima no curso do rio.

Íamos, regularmente nas datas comemorativas como Festa de Reis, Dia de São Sebastião, o padroeiro do lugar, e Dia de Finados, quando reverenciávamos as várias gerações dos nossos antepassados que viveram e lá morreram. Mas, na maioria das vezes, íamos simplesmente para visitar os parentes já idosos como minhas tias-bisavós, pelas quais dedicávamos uma atenção especial porque foram elas que criaram o meu avô Gaspar. Seus nomes eram Maria Francisca e Francisca, mas eram conhecidas como Mamãezinha e Madrinha Yayá, respectivamente. Além destas, visitávamos sempre outra tia, irmã da minha avó, chamada Donatila, a qual chamávamos de Titila.

Quando eu era menino, Titila já era viúva e tinha duas filhas: Tarcísia e Nanci. Da primeira lembro-me bem, mas de Nanci, infelizmente, guardo poucas lembranças. Lembro também que na casa da minha tia havia uma empregada chamada Otília, uma mulher mestiça, de corpo esguio, cabelo pixaim e a pele escurecida, não necessariamente negra, mas sim com as características que compõem o biótipo, próprio do povo sertanejo, tão bem descrito pelo grande Euclides da Cunha.

Não sei exatamente onde Otília nascera, mas é sabido que ela chegou ao Poço das Trincheiras ainda menina, proveniente de uma comunidade próxima e que era filha de Dona Generosa. Sendo mulher, pobre e analfabeta, vivendo numa comunidade que se orgulhava de uma ascendência holandesa, no início do século passado, não coube a Otília outro ofício senão o de empregada doméstica. Trabalhou em casas de várias pessoas como Mamãezinha, Tia Adelaide e finalmente Titila.

Otília era meio alvoroçada do juízo, mas o coração era tão grande que não sei como cabia no peito e foi uma presença marcante na história da nossa família. Conta minha mãe que nos seus tempos de menina havia uma porca grande que, não se sabe por que, era chamada de “Generosa”, o mesmo nome da mãe de Otília. Um belo dia chegou a hora de “Generosa” virar toucinho e, quando Otília viu a porca morta, abraçou-se com ela e chorava dizendo:

 - Minha mãezinha! Mataram minha mãezinha.

Ela era bastante religiosa, mas com sua espontaneidade não escapava de cometer alguns deslizes. Certa ocasião ela estava assando castanhas de caju usando a técnica milenar de jogá-las no fogo para que o óleo causticante que envolve a amêndoa pudesse ser eliminado. As castanhas estavam estourando, lançando umas labaredas de fogo alimentadas pelo óleo, até que uma pequena gota foi arremessada bem no olho de Otília. Felizmente não provocou maiores danos, mas a dor foi tão grande que ela no desespero apelando para os céus gritou:

 - Valei-me Nossa Senhora do C... da Peste!

Mamãe conta que nos seus tempos de menina, quando não havia certas comodidades como televisão e muito menos energia elétrica, Otília reunia a criançada para contar "histórias de Trancoso". Mas ela não contava uma história simplesmente, dava sim um verdadeiro espetáculo, porque ela teatralizava toda a narrativa. Fazia as vozes dos personagens, gesticulava, alterava sua fisionomia, levantava-se e gritava de modo tal que prendia a atenção de todas aquelas crianças. Um belo dia, quando o repertório esgotava-se, ela contava novamente as mesmas histórias que já havia contado anteriormente.

Na sua teatralidade espontânea alterava o enredo das histórias, criava novos personagens, novas situações e a meninada... adorava. Mamãe diz que eram muitas histórias, mas uma delas parece ter sido a favorita das crianças, pois elas sempre pediam para Otília contar, era a história do Xagado. Não me perguntem como era essa história, pois nem minha mãe, que a ouviu inúmeras vezes, consegue lembrar. Motivo: Cada vez que Otília contava a história, contava de um jeito diferente.
Às vezes, uma criança maior lembrava-se da versão anterior e tentava corrigir a contadora, mas ela argumentava logo:

 - Você num sabe como era não! É do jeito que eu tô contando.

Mas aquela figura que tanto se empolgava para contar histórias, sabia também expressar carinho e afeto com o seu jeito simples e sincero de falar. Ainda me lembro, que quando era menino, Otília olhava para mim e com sua voz grave dizia para minha mãe:

 - Vige minha "rimã" (irmã), como é bonitinho "Vrigilinho". Hein, hein! Que benza Deus.

Onde quer que estivéssemos, a presença de Otília era motivo de alegria, pois ela logo tornava-se o centro das atenções. Quando já rapaz, lembro-me de um dia em que estávamos eu, minha mãe e minhas tias tirando a palha de umas espigas de milho verde, na casa da minha avó e Otília resolveu contar uma história de um "trovão de estralo". Não houve quem não prestasse atenção e nem quem conseguisse ficar sério com o jeito dela contar. Otília era em essência uma verdadeira artista popular e trabalhava como empregada doméstica na casa da minha tia Donatila.

Otília nunca se casou, nunca teve filhos e muitos foram os anos em que serviu à casa de Titila. Minhas primas tornaram-se professoras e foram morar na capital. Com as filhas morando longe e os sobrinhos e sobrinhas também, minha tia percebeu que ela e Otília tinham apenas a companhia uma da outra e a relação entre ambas foi cada vez mais se estreitando. Com o passar dos anos Otília passou a ocupar um dos quartos da área social da casa e este era o quarto vizinho ao de minha tia. Lembro-me que as vezes as duas brigavam uma com a outra, mas nunca nada sério, apenas teimosia. Curiosamente, uma tratava a outra pelo mesmo apelido carinhoso: Tilinha.

Um dia Otília estava sentada numa cadeira e aquele seu coração enorme simplesmente parou. E foi assim, sem gestos, falas ou qualquer teatralidade que ela se foi. Minhas primas acolheram Titila e cuidaram dela até que um dia esta também partiu. Partiu para encontrar-se com Tilinha, e lá no céu, quando a encontrou, muito provavelmente estava contando a história do Xagado para os anjos e querubins.

Lembrando que a semana que passou foi comemorado o Dia da Consciência Negra, gostaria aqui de prestar minha sincera homenagem a esta mulher mestiça, meio branca, meio negra que fez a alegria de tantas crianças e que, com sua simplicidade e inocência infantil, conquistou o carinho e o respeito de toda a família a qual tanto serviu. Hoje, eu não consigo pensar em Otília como uma criada. Ela é uma figura que faz parte não apenas da história da minha família, mas é parte dela própria, não podendo jamais ser separada ou mesmo esquecida.

Na semana passada contei a história do Festival Universitário de Música do DCE-UFAL, e que eu havia comprado o LP com as músicas do III FUM. Gostaria de me desculpar por um detalhe: tenho o disco até o dia de hoje e este foi um presente da minha namorada à época e hoje minha esposa Eliane. Com dedicatória e tudo. Ou eu corrigia este detalhe, ou então...

Antecipando aos meus colegas que na próxima semana provavelmente não enviarei minhas saudações, gostaria de desejar a todos uma ótima quinzena.

Saúde, luz e paz.

Virgílio Agra.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

E a música caeté iluminou a praia de Jatiúca



(escrito em 15/11/2009)

Colegas de todas as luzes.

Quando vim estudar na capital alagoana em 1983, faz um tempão, a gente ouvia música em LPs e fitas K7 e os aparelhos de videocassete à época ainda eram uma novidade. Naquele ano o Diretório Central dos Estudantes da UFAL estava organizando o seu IV Festival Universitário de Música, IV FUM, e vendia um LP com as músicas finalistas do III FUM realizado no ano anterior. Tive a sorte de comprar o tal disco e curtir suas doze excelentes músicas.

Os anos passaram, o DCE deixou de organizar os festivais até que enfim, este ano, a Universidade Federal de Alagoas tomou a iniciativa e organizou o I Festival de Música da UFAL. Além do espaço aberto para a apresentação do talento artístico através das mais variadas correntes da música, a organização do evento prestou um tributo ao histórico III FUM lançando a versão em CD do disco daquele histórico festival.

Ontem, estava este humilde caeté, diante do palco montado no calçadão da praia de Jatiúca, assistindo a final do novo festival e torcendo pela música de autoria de Gustavo Gomes, o famoso Guga, reencontrando velhos amigos do tempo da universidade e ouvindo a história daquele histórico LP.

Na época dos festivais do DCE-UFAL, o Brasil ainda vivia os últimos anos do regime militar e a cultura nacional vivia sob a tutela da famosa Censura. Várias músicas inscritas tiveram que ter suas letras alteradas para se adaptar aos critérios "incontestáveis" do censor e uma delas foi completamente censurada. No dia da final, no ginásio do CRB, lotado, diga-se de passagem, os artistas começaram a se apresentar sob ameaça, de a qualquer momento haver uma invasão do local pela Polícia Federal, que felizmente não aconteceu. Após o festival, o DCE resolveu gravar o LP com as músicas finalistas e aí o desafio foi muito maior, porque o disco não foi autorizado e, uma vez impresso, não podia ser comercializado. Para evitar que os discos fossem apreendidos pela polícia os estudantes dividiram o estoque em pequenos lotes e os guardaram em lugares os mais variados e trataram de vendê-los de mão em mão tentando inviabilizar qualquer ação repressora. Todos os discos foram vendidos e eu até hoje tenho o meu, mas os artistas que o gravaram não puderam ter o prazer de um evento de lançamento.

Ontem, enquanto aguardávamos a apuração dos votos do novo festival, alguns músicos que participaram do festival de 1982 subiram ao palco e, gloriosamente, se apresentaram cantando publicamente suas excelentes músicas, para deleite do ouvido e afago no coração. Afinal de contas, como poderia eu descrever a oportunidade de numa única noite ouvir a excelente música de Macleim, o vozeirão de Chico Elpídio e a apresentação de Antônio Carlos, que foi o grande campeão de 1982 e veio da capital sergipana especialmente para esta apresentação. Durante o evento um nome citado causou emoção, o Tony Batera, que participou do antigo festival e hoje toca em outra dimensão. Infelizmente um nome foi esquecido, Edberto Ticianeli, que era o presidente do DCE à época do festival. O disco com as músicas do III Festival Universitário de Música do DCE-UFAL teve, finalmente, o seu merecido lançamento após vinte e sete anos.

Quando anunciado o resultado do novo festival o grande Guga, com a música A Marcha, ficou com o terceiro lugar, o que é uma boa marca e um incentivo à continuidade do seu trabalho. Valeu a torcida.

Numa semana cuja principal notícia do país foi a falta de energia elétrica... sosseguem, em terras caetés as luzes da cultura iluminaram a noite na praia da Jatiúca.

Aproveitando a oportunidade peço, a quem puder, que acesse o site www.atomediconao.com.br , e expresse sua opinião acerca de um projeto de lei que tramita no Congresso que, caso seja aprovado, dará a 340.000 médicos a exclusividade de exercer atos privativos de 3 milhões de profissionais da saúde (biomédicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, profissionais de educação física, psicólogos, técnicos em radiologia e terapeutas ocupacionais).

Desejo a todos uma ótima semana de trabalho.

Saúde, luz e paz.

Virgílio Agra.


PS: Aqui vai uma pequena mostra do que foi o III Festival Universitário de Música do DCE-UFAL.



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