domingo, 2 de outubro de 2011

Hotel Avenida

Foto gentilmente cedida por José Marques de Melo, "Zé Melo".

(Escrito em 23/11/2008)

Colegas de todas as filantropias

Quando eu era garoto, na minha cidade natal, Santana do Ipanema - AL, nos tempos em que usava o cabelo raspado com máquina zero, calças curtas e botas para corrigir as pernas tortas, ia com muita frequência à casa da minha avó e bem em frente aquela casa, bem ali, do outro lado da rua, havia uma casa grande onde funcionava o Hotel Avenida.

O proprietário do hotel, o "Seu" Leusinger Melo, era uma figura que nunca saiu das minhas lembranças. Era um homem esguio, de óculos e eternamente vestido em um pijama de calças e mangas compridas. O hotel era simples, mesmo considerando-se os padrões da época, mas graças à engenhosidade de "Seu" Leusinger, contava com certos equipamentos que dariam inveja a muitos outros dos dias atuais. Funcionando numa região onde a escassez de água era uma constante, o Hotel Avenida era dotado de uma enorme cisterna que, acumulando a água da chuva, nunca deixou que faltasse o precioso líquido no estabelecimento, mesmo nos momentos mais críticos da falta de água na cidade. Contra a falta de energia, outro mal que frequentemente acometia a cidade, o hotel possuía um gerador que assegurava as comodidades da vida moderna a todos os seus hóspedes. Os banheiros, localizados nos corredores, tinham um contato elétrico na porta que acendia a lâmpada assim que a porta era fechada, evitando assim que os menos civilizados esquecessem a luz acesa ao sair do recinto, racionalizando assim o uso da eletricidade. Com o uso de diversos outros artifícios, a mente engenhosa do "Seu" Leusinger garantia o perfeito funcionamento do seu hotel.

A cozinha do hotel era ampla e bem iluminada pela luz do sol que entrava pelo teto. Infelizmente não consigo me lembrar como funcionava aquele sistema de iluminação natural, mas, com certeza, além de permitir a entrada da luz, permitia a saída da fumaça e outros vapores, permitindo que eu sentisse o cheiro gostoso que lá era preparada. No seu comando estava a esposa, Dona Iveta, com a qual tenho laços de parentesco longínquos. Lembro-me da sua figura, uma senhora gorda que fazia uma comida tão bem temperada que até hoje me dá saudades. Muito caridosa, ela e o marido não apenas criaram os filhos do seu matrimônio, mas adotaram com muita dedicação outros, um dos quais, Aguinaldo, foi meu colega de infância.

"Seu" Leusinger tinha um jeito peculiar de fazer o bem ao próximo. Pouco afeito a palavras de gratidão, elogio e outras mais que pudessem parecer bajulação, fazia as coisas de um modo tal que parecia fazer exatamente o contrário. Meu pai me contou que certa vez chegou ao hotel um mendigo pedindo esmola para comer. "Seu" Leusinger de imediato negou, dizendo ao indivíduo que tratasse de trabalhar para comer, pois seu hotel não era casa de caridade. Triste, o mendigo dirigiu-se à porta de saída e quando estava cruzando a soleira da porta ouviu um chamado:

- Hei! Hei! Vem cá.

- Que foi "Seu" Leusinger?

- Vá lá dentro que uma "véia" besta ajeita você.

E, chegando à cozinha, Dona Iveta preparou um belo prato de comida para o deleite do infeliz.

Muitos anos se passaram, "Seu" Leusinger e Dona Iveta já partiram para a eternidade e o Hotel Avenida encerrou suas atividades, mas eis que nesta última semana uma notícia me trouxe de volta a lembrança dessas duas pessoas que tanto marcaram minha infância. Segundo a Agência Brasil, o Ministério da Educação criou uma comissão para estabelecer as novas diretrizes curriculares do curso de jornalismo e, para presidi-la, o próprio ministro da Educação, Fernando Haddad, convidou o professor José Marques de Melo. "Zé Melo" é nada mais nada menos que filho do casal Leusinger e Iveta. O caeté de nascimento traz no seu histórico, entre outras tantas coisas, o fato de ser o fundador da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).

Meus parabéns "Zé Melo", seu trabalho é motivo de orgulho não apenas para o povo santanense ou alagoano, é acima de tudo mais um gol de placa que você, como um caeté de nascimento, marca para o time de todos aqueles que acreditam ser possível construir uma sociedade melhor, onde todos possam ter acesso a cultura, a educação, a informação e a cidadania, independentemente de sexo, cor, raça, religião ou naturalidade.

A todos os meus colegas desejo uma ótima semana. Envio em anexo um artigo de "Zé Melo", publicado na revista Imprensa, que fala sobre a nossa cidade.

Saúde e paz,

Virgílio Agra.

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