domingo, 15 de julho de 2012

Casa Milhões


Seu Miguel Bulhões na década de 80
Nascido em 12/11/1903 / Falecido em 05/10/1995

(escrito em 10/09/2009)

Colegas de todos os nomes.

O mês de setembro é aquele onde mais se ouve os sons das bandas marciais e, talvez por conta disto, sempre me lembro de uma figura marcante na história da pequena Santana do Ipanema, o Maestro Miguel Bulhões.

Nos meados do século passado as bandas de fanfarra empolgavam as comunidades de norte a sul deste país. Os membros das bandas eram admirados e o simples fato de uma escola ou uma pequena cidade possuir uma banda era motivo de orgulho para todos aqueles, alunos ou cidadãos, que compunham tal comunidade. Seu Miguel tinha uma pequena casa comercial em Santana do Ipanema, mas ficou conhecido e respeitado em toda a região pelo seu incomparável talento musical, pois era o Mestre da Banda. Apesar de nunca haver frequentado qualquer escola formal de música, aprendera a ler partituras e ensinava com muito zelo a todos aqueles que se interessassem pela arte da música. Contam que ele reunia os alunos da banda num salão e começava a dar suas aulas. Como o compartimento não tinha qualquer tipo de tratamento acústico os instrumentos causavam a impressão de uma grande barulheira, mas os ouvidos atentos do Seu Miguel não se deixavam enganar. Um amigo meu contou-me que ficava admirado quando o Mestre interrompia o ensaio e dirigindo-se a um dos seus pupilos dizia-lhe:

 - Ô "Fulano", não é Si, é Si bemol.

E todos se perguntavam como era possível alguém distinguir uma nota destoante no meio de tantas misturas de sons.

Quando eu era um garoto, ele já era um senhor de idade avançada. Naquela época, uma criança ajudar nos afazeres domésticos era um procedimento normal. Vivendo numa cidade e época de poucos recursos, minha tarefa diária era dar recados e fazer mandados. Ir ao armazém para comprar alguma coisa, buscar o leite, comprar o pão, dar recados na casa da minha avó eram atividades que faziam parte do meu dia-a-dia.

Apesar do importante papel que Seu Miguel desempenhou como Mestre da Banda, na verdade, eu o conheci graças ao seu gosto pela leitura. Para ele, a idade e as transformações que ocorriam na economia do país àquela época foram determinantes para um lento e progressivo encolhimento da sua atividade comercial. Sem recursos para comprar jornais ou outros periódicos, dependia da ajuda de amigos para "manter a leitura em dia". Meu pai era assinante de um dos jornais que circulavam no estado. Após lê-los, guardava-os e, periodicamente, colocava-os numa sacola e mandava que eu os levasse para Seu Miguel. Fiz isso muitas vezes, não faço a menor ideia de quantas vezes isso aconteceu.

Apesar de ser apenas uma criança, eu tinha a compreensão de que os jornais traziam notícias que evoluíam e, naturalmente, caducavam com o passar dos dias, e eu me perguntava, o que poderia aquele homem extrair daqueles jornais velhos? Com o tempo percebi o quanto era importante para ele ler aquelas notícias porque, mesmo que já sabidas, ele assim podia fazer sua própria análise e tirar suas próprias conclusões. No tempo em que não se falava em reciclagem nem em “destinação adequada de rejeitos”, após ler aqueles jornais velhos Seu Miguel tinha o cuidado de mandá-los para a loja do meu pai, onde então, finalmente, seriam transformados em embalagens.

A casa comercial de Seu Miguel ficava na esquina da rua onde morava minha avó paterna e tinha o nome de Casa Milhões. Certo dia, Expedito Sobreira, um grande amigo e também um grande gozador, perguntou-lhe o porquê da escolha daquele nome. O Mestre então aprumou-se, impostou a voz e de maneira muito didática explicou:

 - Eu apenas fiz uma conjunção de nomes... MI de Miguel e LHÕES de Bulhões. Portanto, Casa Mi-lhões.

Expedito pronto para mais uma das suas gozações então perguntou.

 - Ô Seu Miguel? E se seu nome fosse Cupertínio Bulhões, como ficaria o nome da loja?

Seu Miguel parou... pensou... e quando percebeu a lorota, bombardeou.

 - Expedito! Você é um ignorante. Me respeite.

No final da história a amizade continuou e hoje, onde quer que eles estejam, tenho certeza que Seu Miguel está tocando algum instrumento, harpa ou trombone, tanto faz, mas Expedito Sobreira, com certeza, está tirando onda com a cara de alguém.

Colegas, como a semana está quase acabando, permitam-me desejar a todos um bom final de semana.

Saúde e paz.

Virgílio Agra.

Um comentário:

Anônimo disse...

muito bom, virgílio! parabéns! ler seu blog e garantir um bom estoque de risadas! bjs rossana

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