(escrito em 29/03/2009)
Colegas de todos os lugares
O rio Ipanema nasce no município de Pesqueira - PE e, descendo em direção ao rio São Francisco, corta o sertão de Alagoas de norte a sul, desembocando numa localidade conhecida como Barra do Ipanema. Foi no meio do percurso desse rio temporário, como são os rios sertanejos, à sua margem esquerda, no local onde o mesmo recebe as águas do riacho Camoxinga, que surgiu a cidade de Santana do Ipanema, cujo nome homenageia o rio e a sua padroeira Senhora Sant'Ana.
O Ipanema é largo e quando botava uma cheia só podia ser atravessado com canoas, mas quando passava a enchente e o rio secava, pelas suas areias brancas passava gente, animal e carro de bois. O Camoxinga por sua vez é apenas um riacho estreito, o que permitiu desde os tempos mais remotos a construção de obras de travessia. Perto da sua foz, primeiro foi erguida uma pinguela que de vez em quando era levada pelas cheias do riacho, posteriormente foi feita uma ponte de madeira até que, finalmente, foi construída uma ponte de concreto que está lá até os dias de hoje e é conhecida como a Ponte do Padre.
O nome da ponte surge como uma homenagem ao Padre Bulhões que foi pároco da cidade na primeira metade do século passado e morava exatamente do outro lado do Camoxinga de modo que, quem atravessava a ponte passava exatamente na frente da casa do velho patriarca. Natural de Entremontes, localidade situada às margens do canyon do Velho Chico, o Padre Bulhões foi durante meio século uma das maiores autoridades do sertão alagoano. Atuando junto ao povo de toda aquela região era respeitado e admirado por todos, pois ele foi muito mais do que um simples sacerdote, era como se fosse um pai daquelas gentes. Quando a matutada vinha para a feira em Santana, que acontecia na praça em frente à Igreja Matriz, a casa do padre era uma parada obrigatória, na qual todos vinham para pedir a benção e comer numa mesa grande e farta, na qual todos que chegavam podiam comer sem que nunca tivesse faltado comida para ninguém. Ao mesmo tempo em que era bondoso, como um verdadeiro pai também era também rigoroso, não admitindo desvios de comportamento de Seu Ninguém.
Conta-se que o Padre Bulhões tinha uma propriedade lá pras bandas da Barra do Ipanema, onde criava bodes. Naquele tempo a parte mais lucrativa da criação era o couro e não propriamente a carne. Um belo dia, um compadre contou-lhe que o vaqueiro da propriedade estava matando os bodes e faturando as peles por fora. Zangado e acima de tudo muito contrariado o padre sabia que tinha que tomar uma providência. Naquele tempo no sertão, o cabra que era pego roubando sabia que estava condenado à morte, mas esta solução contrariava os princípios éticos daquele santo homem. Após pensar sobre o caso mandou chamar o vaqueiro para uma "conversinha".
Quando o homem chegou, o Padre foi direto ao assunto. Se o patrão fosse outra pessoa talvez o cabra tentasse desmentir a informação, mas mentir para um padre, e ainda mais o Padre Bulhões, era adicionar um pecado grave à lista dos já cometidos. Percebendo que havia sido descoberto o vaqueiro confessou os furtos.
Aí o Padre gritou:
- Major!
A pessoa a quem o Padre chamara não se tratava de nenhuma autoridade policial ou algum remanescente da Guarda Nacional, tratava-se do seu sacristão que era conhecido por esta alcunha.
- Major! Vá agora mesmo chamar a polícia pra levar esse cabra pra cadeia.
Major prontamente atravessou a pinguela do Camoxinga e partiu em direção a cidade. O Padre voltando-se para o infeliz vaqueiro disse:
- Você vai levar uma pisa daquelas de largar o couro. Compreendeu? Compreendeu?
- Sim "Sinhô Seu Pade".
Apesar de saber o que o esperava o cabra não largava o pé do lugar. O medo da polícia era grande, mas o medo de uma maldição do Padre Bulhões era muito maior.
- Quantos filhos você tem?
- Oito "Seu Pade".
- Pois vão “tudo” morrer de fome, porque você vai morrer da pisa que vai levar. Compreendeu? Compreendeu?
- Sim "Sinhô Seu Pade".
Enquanto fustigava o vaqueiro com as suas reprimendas, o Padre olhava pela janela da sala de onde podia ver a pinguela e o caminho que levava à Praça da Matriz. Em determinado momento, ao dar a sua olhada pela janela, o Padre avistou Major fazendo o caminho de volta acompanhado de uma parelha de meganhas. Nesse momento, enfiou rapidamente a mão no bolso da batina, retirou uma nota de vinte mil réis, colocou na mão do vaqueiro e apontando para a porta dos fundos da casa disse:
- Corra desgraçado, porque se a polícia te pegar... Mata mesmo.
Imediatamente, o coitado, saindo pela porta dos fundos, atravessou o quintal do Padre que na época era um grande sítio e, passando sebo nas canelas, meteu-se de caatinga adentro.
Num instantinho os policiais chegaram à casa do Padre que apontando para a direção oposta da fuga gritou:
- Corram por ali que o cabra acabou de atravessar o "Panema".
Imediatamente os policiais saíram na maior carreira para prender aquele que havia ofendido o tão querido Padre Bulhões. Perseguidores para um lado... Perseguido para o outro.
Esse acontecido é um clássico da história da minha terra natal, mas, há uns dias atrás, tive a oportunidade de ouvi-la do filho do Padre Bulhões que ao contrário do que alguns possam estar pensando neste momento, não é filho de uma mula-sem-cabeça.
Silvio Bulhões é filho legítimo do cangaceiro Corisco e da cangaceira Dadá. Devido à vida errante os cangaceiros não podiam criar seus filhos, por isso mandava-os para que pessoas de bem os criassem. O Padre Bulhões criou Silvio, batizando-o com o seu sobrenome. O garoto cresceu, estudou, tornou-se professor e hoje é um avô aposentado que vive em Maceió.
Uma irmã de Silvio, Celeste, foi criada por meu bisavô, o Coronel Sebastião Medeiros. Mas aí... É outra história, de um tempo que virou história.
Desejo a todos uma boa semana de trabalho, estudo ou vida mansa.
Saúde e paz,
Virgílio Agra.
Um comentário:
Olá! meu nome é mariana,sou uma descendente bastarda da família bulhões, meu avô, agripino, é sobrinho do padre josé bulhões, um dos irmãos dele infelismente abusou na época da jovem Dalva e ela engravidou, na época, ela trabalhava na casa do padre, foi rejeitada e desamparada pelo padre que era seu patrão e pelo molestador, irmão dele, devido ao escandalo que era uma jovem solteira grávida ela teve que abandonar o filho no ato do nascimento, pois, foi ameaçada de morte por seu irmão, pois ela não queria dizer quem era o pai da criança, ela só contou para o padre, esse irmão dele estava noivo e posteriormente casou-se, teve filhos, mas, nunca assumiu meu avô perante a sociedade santanense, a esposa dele sabia do ocorrido e não aceitava o meu avô nem para as visitas, então, criou-se assim um maior distanciamento, só após a morte do dito cujo, os irmãos de meu avô o procuraram para reconhecer a paternidade, mas, vô não quis,não por orgulho, mas, por não ter vínculos afetivos;eles se visitaram poucas vezes, mas, se consideram irmãos. Eu gostaria mesmo era de conseguir alguma informação de minha bisa Dalva, se ainda é difícil ser mulher em pleno século 21, fico a imaginar como era em 1900.
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