O autor com Antônio Hilário
Colegas de todas as literaturas
Eis
que à semana passada um velho amigo ligou para dar uma boa notícia lá das
bandas da terra em que o Capibaribe se encontra com o Beberibe para formar o
mar. Me contou que um rapaz chamado Manoel Constantino foi vitorioso no
Primeiro Concurso de Literatura Infantil da CEPE, a Companhia Editora de
Pernambuco com o livro "Anjo de Rua". O que levou meu amigo a ligar
para dar a informação é o fato de que Manoel Constantino Filho ser natural de
Santana do Ipanema, lá no sertão alagoano.
Lá
na Ribeira do Panema, Manoel é conhecido como Manoel Filho, porque Manoel
Constantino é o seu pai. Quando ainda residente na nossa cidade natal, Manoel
Filho já participava de atividades do Teatro de Amadores Augusto Almeida
incentivado por Albertina Agra, minha tia. Ainda adolescente o rapaz foi
estudar em Recife. Formado em jornalismo, hoje trabalha na Fundação de Cultura
da Cidade do Recife onde é o editor da Agenda Cultural. Foi produtor de elenco
da minissérie "A Pedra do Reino", foi ator no filme "Baile Perfumado",
dirigiu peças teatrais e publicou vários livros de poesia. Curiosamente o livro
premiado estava engavetado há anos e só agora resolveu publicá-lo. Como eu
acredito que tudo tem o seu devido tempo, acho que esse foi o momento certo.
Num
país como o nosso, onde cultura e educação só aparecem como prioridade nos
discursos políticos, saber do sucesso de alguém conhecido é motivo de alegria
para mim, mas saber que o vencedor de um concurso literário é lá das bandas do
sertão alagoano me enche de orgulho e muita satisfação. Saber que alguém
proveniente da terra em que nasci alcançou o sucesso numa cidade importante
como a capital pernambucana é, para mim, a prova de que o talento não é um dom
restrito aos nascidos nos grandes centros. Manoel teve e aproveitou as oportunidades,
mas tenho certeza que não teve facilidades. Seu sucesso é fruto de muito
trabalho, persistência e inteligência.
Ao
lembrar-me do meu amigo de infância, hoje mais pernambucano do que alagoano,
resgatei a memória de outro amigo cujos laços se firmaram a menos de dois anos
atrás. Estou falando de Antônio Hilário, nascido em 11 de abril de 1930 e que
começou a vida sendo carreiro, na época em que nas estradas do sertão as cargas
eram transportadas por carro de bois ou tropas de burros. Um dia, numa conversa,
Seu Antônio Hilário contou que fez uma viagem para Garanhuns - PE, para buscar
uma carga de café em grãos, café em caroço como ele diz. Apesar do percurso ter
aproximadamente 140 quilômetros, a viagem durou nove dias para ir e outros nove
para voltar. Permaneceu no ofício de carreiro até 1958, quando então passou a
se dedicar à agricultura.
Tendo
que trabalhar desde a mais tenra idade, Seu Antônio Hilário não pode estudar,
mas é para mim a prova viva do talento humano que aflora nas pessoas, independentemente
do grau de instrução, não importando de onde ela veio ou o que ela fez. Certo
dia, fui até a sua casa, na zona rural de Santa Brígida – BA, na companhia de
um amigo comum, Elias Marcelino. Era apenas uma visita de cortesia, para
"jogar conversa fora". Mas conversa de sertanejo é sempre sobre a
chuva, a safra, o preço do gado, essas coisas que fazem parte do dia-a-dia das
gentes do sertão. A conversa foi rolando até que, em dado momento, ele começou
a recitar uma poesia que exaltava o amor do sertanejo à sua terra e somente
agora, três anos depois, descobri como que por acaso, o seu autor e o seu texto
na íntegra.
A
poesia declamada era “Suspiros de um Sertanejo” de Leandro Gomes de Barros.
Nascido em 1865 em Pombal, na Paraíba, além de poeta tem o mérito de ser um dos
precursores da produção impressa da poesia popular nordestina na forma de
folhetos de cordel. Em 1906 montou uma pequena gráfica onde, além do seu acervo
de cerca de 240 poesias, imprimiu uma infinidade de obras de outros autores populares,
alguns até já falecidos, mas cujos trabalhos eram difundidos oralmente pelos
cantadores nas feiras das cidades do sertão. Graças a ele, também denominado “O
Primeiro sem Segundo”, muitas obras da cultura popular nordestina sobreviveram
até os dias de hoje. Falecido em 1918 no Recife – PE, sua arte alcançou tal
dimensão a ponto de ser elogiado por grandes expoentes da cultura nacional como
Ariano Suassuna, Carlos Drummond de Andrade e Câmara Cascudo. Em sua homenagem,
o mesmo é considerado como patrono da cadeira número um da Academia Brasileira
de Literatura de Cordel.
Após
a sua declamação Seu Antônio Hilário nos contemplou com uma pequena narrativa:
“Meu
colega, teve um cidadão que, por isso ou aquilo outro... Muitas vezes um homem
faz a coisa obrigado. Foi um sertanejo que matou uma pessoa, e a pessoa era de
"condição". Aí pegaram ele, foi pra cadeia, foi rolando, foi parar no
Rio de Janeiro e, naquela época, “não existia advogado no Brasil", mas
chegou um homem de fora e foi visitar os presos. Chegou lá, entrou na cadeia,
ficou visitando e perguntou uma coisa a um: Por que você tá aqui? Por que você
veio prá aqui? De onde é você? Até que chegou onde estava este sertanejo, aí
foi onde ele disse que era do sertão mas tava desenganado. Ele perguntou:
-
Tem o dinheiro?
-
Tenho não.
-
Qual é a sua profissão?
-
Minha profissão foi roça e uma viola.
-
E o senhor sabe cantar?
-
Se aparecer uma viola eu digo “umas besteira”.
-
“Apois” se aguarde que eu vou arrumar uma viola pra você.
Ai
saiu e arrumou a viola e quando ele chegou, entregou a viola, foi quando ele
partiu com essa”.
Após
o termino, parabenizei-o pela sua capacidade de
guardar na mente uma poesia durante tantos anos. Ele havia decorado os versos
ouvindo-os de poetas cantadores, há muito tempo. Comparando-se a declamação com
o texto original, pode-se verificar facilmente que várias partes foram
esquecidas, mas, por tratar de um tema tão presente na vida do povo do sertão, aquela
poesia tocou o coração daquele homem que, mesmo endurecido pelo trabalho de sol
a sol, foi capaz de manter a sensibilidade para reconhecer a beleza e expressar
seus sentimentos através de uma arte que muitas vezes passa despercebida da
comunidade culta deste grande país.
A propósito, pesquisando na grande
rede encontrei os trabalhos de Leandro Gomes de Barros em alguns sítios e,
dentre eles, no Acervo Digital da Fundação Joaquim Nabuco ( www.fundaj.gov.br ), que guarda uma
infinidade de obras de cordel, mas não pude deixar de me encantar com o acervo
de Raymond Cantel, um pesquisador francês especialista em língua portuguesa e literatura
popular brasileira. Ao longo de sua vida o, Dr. Cantel conseguiu reunir o maior
acervo de literatura de cordel da Europa e um dos maiores do mundo e todo esse
patrimônio está a disposição de qualquer pessoa através da grande rede no sítio
da Universidade de Poitiers – França ( http://cordel.edel.univ-poitiers.fr/
). Parece que, lá pras bandas das terras de além mar, a cultura é tratada de
outro modo.
Meus amigos, aproveito a
oportunidade para desejar-lhes uma ótima semana, parabenizar Manoel Filho pela
sua conquista e desejar que a todos nunca falte a sensibilidade para apreciar
as diversas e pequenas coisas belas que, com certeza, ponteiam a vida de cada
um de nós.
Saúde, luz e paz!
Virgílio Agra
(Escrito em 25/01/2012
e modificado em 18/03/2015)
Sobre o jornalista Manoel Constantino Filho e o livro Anjo
de Rua, consultem o endereço: http://www.maltanet.com.br/noticias/noticia.php?id=6813
.
Para aqueles que quiserem conhecer a
declamação de Seu Antônio Hilário, sugiro assistir o vídeo abaixo:
Para aqueles que quiserem apreciar a beleza dos “Suspiros de um Sertanejo”, sugiro clicar no link abaixo:
( http://cordel.edel.univ-poitiers.fr/items/show/113 )
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