domingo, 30 de novembro de 2014

Peça boa


Santana do Ipanema - 1948

Colegas de todos os tinos comerciais.

Na semana passada, melhor dizer no ano passado, após mais um dia de trabalho, peguei uma carona com minha esposa para voltar para casa. Foi aí que surgiu uma ideia de darmos uma lavada no carro. Seguimos em direção à Pajuçara onde um tradicional posto sempre nos proporciona um bom serviço a preço justo. Enquanto os lavadores faziam o seu trabalho, sentamos numas cadeiras que o estabelecimento disponibilizou. Em dado momento vi quando um dos clientes abriu a mala do seu carro e, de dentro de umas caixas, tirou alguns calendários de mesa. De imediato nos veio aquela vontade de pedir um, mas não tivemos tempo de nos manifestar, pois ele simpaticamente deu a cada um dos clientes um exemplar. Tratava-se de um calendário alusivo aos 160 anos da Santa Casa de Maceió onde, na sua primeira página, havia uma foto do prédio datada de 1851. Agradeci a gentileza e fiz alguns comentários sobre a foto antiga.
Conversa vai, conversa vem, lembrei-me que na Santa Casa trabalha um amigo meu. Perguntei para ao cidadão:

 - O Senhor conhece Silvio?

 - Silvio Melo?

 - Esse mesmo.

 - Você conhece Silvio de onde?

 - Ele é meu conterrâneo. Eu sou de Santana do Ipanema - respondi.

 - Você é de Santana? Eu também sou de lá.
Para aqueles que, infelizmente, não nasceram no interior, vai ser necessária uma pequena explicação. Nas pequenas cidades todo mundo se conhece e isso pode ser ruim a depender dos hábitos que o indivíduo desenvolva, mas isso também proporciona vínculos que às vezes podem ser tão fortes quanto os vínculos familiares. Quando dois matutos se encontram num local distante das suas origens, o sentimento que se tem é como se fosse um encontro de parentes que há muito tempo não se viam. De imediato ele perguntou de quem eu era filho e quando me identifiquei foi que a conversa correu solta porque ele era muito amigo do meu pai. Perguntei seu nome:

 - Antônio Noya, mas me conhecem mais por Toinho Noya.

 - O Senhor é parente de Rubem Noya? - perguntei

 - Ele é meu primo.

Continuamos a conversa até que o serviço da lavagem dos carros terminou e, após nos despedirmos, cada um tomou o seu destino.

Este encontro casual serviu para que eu me lembrasse de Rubem, que eu conhecia desde os tempos de menino quando ele era comerciante de peças automotivas lá na Ribeira do Panema. Eu sempre passava na sua calçada quando ia comprar pão na Padaria Royal, bem ali vizinho. Essas lojas ficavam de frente a um largo no centro da cidade e recebiam toda a tarde a presença enviesada do sol do sertão. Sujeito espirituoso, muito brincalhão, Rubem não dispensava um bom papo, por isso, todas as tardes, quando não tinha ninguém para atender, costumava atravessar o largo em frente para então, do lado da sombra, ia palestrar com outros comerciantes enquanto ficava de olho no negócio.

Nos tempos em que não se falava em "qualidade do atendimento", "satisfação do cliente", SEBRAE, PROCOM e outros termos que se tornaram tão frequentes no nosso linguajar a partir do fim do século XX, Rubem tocava seus negócios usando a máxima que diz: "Perco o amigo, subtenda o cliente, mas não perco a piada". Era comum chegar um cliente a procura de uma peça trazendo outra idêntica na mão. Quando o cabra perguntava:

 - Rubem, você tem essa peça?

Ele de pronto respondia:

 - Tenho não, tenho uma igual a essa.

Contam que certa tarde ele atravessou a rua para bater um papo no lado da sombra quando entrou um cliente na sua loja. Não encontrando ninguém no balcão o sujeito voltou para a calçada e ficou olhando para um lado e para outro procurando quem o atendesse. Enquanto isso, do outro lado da rua, sem interromper a conversa, Rubem tudo observava sem se manifestar. Após alguns minutos de expectativa o tal cliente descobriu onde estava o comerciante e gritou chamando por ele que imediatamente respondeu.

 - Venha aqui.

O rapaz atravessou a rua e perguntou se ele tinha uma determinada peça. Perfeito conhecedor do seu negócio ele respondeu com segurança que sim. Em seguida o sujeito perguntou o quanto custava. Considerando-se a diversidade de produtos e o efeito inflacionário que já rondava este grande país, seria demais esperar que alguém pudesse ter todos os preços de cor. Para responder ao cliente isto significava que ele teria que deixar de lado a conversa e ter que atravessar a rua para consultar a tabela. Foi aí que ele saltou com uma pergunta inusitada:

 - Você vai comprar?

 - Não. Eu só queria ver o preço.

 - Ah! Então se você não vai comprar eu não vou até lá não.

A confusão foi grande e eu até hoje eu não tive oportunidade de saber como terminou a questão. Hoje ele está aposentado, curtindo a vida sobre duas rodas, alegre como sempre e com uma vitalidade de fazer inveja a todos.

Caros colegas, é assim, contando os causos que me vem à mente nas casualidades dessa vida, que venho aqui saudar a todos neste início de ano, desejando que nunca falte a cada um de vocês nem a proteção divina, nem bom humor e nem a esperança de que possamos fazer deste país um bom lugar para se viver.

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra

(Escrito em 05/01/2012)



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