Usina Apolônio Sales
Fronteira Alagoas -
Bahia
Colegas de todas as ambições
Na era da informação,
globalização e estresse o sucesso é cada vez mais visto como uma meta
obrigatória a todo ser vivente. Mas o que é o sucesso? Como não tenho nenhuma
formação que me permita apresentar aqui a definição definitiva, acho melhor vocês
procurarem um cara do tipo do Max Gehringer, a quem cito não por ironia ou
desdém, mas por uma sincera admiração. No entanto, eu me permito comentar que
para muita gente neste mundo o sucesso está associado ao resultado de uma
equação onde não podem faltar duas importantes variáveis: o dinheiro e o poder.
Refletindo sobre
recentes acontecimentos da minha vida, detalhes, deixa para lá, lembrei-me de
um rapaz que conheci no tempo em que compus os quadros da Companhia Hidro
Elétrica do São Francisco, CHESF, lá pras bandas da Cachoeira de Paulo Afonso.
Joel Torquato era Operador de Usina na mesma unidade da CHESF em que trabalhei.
Como o trabalho de operador era exercido em ambiente de periculosidade, essa
categoria tinha direito a uma aposentadoria especial, de modo que quando
comecei a minha carreira, Torquato estava encerrando a sua. Não tivemos
oportunidade de trabalharmos juntos, mas isso não impediu de conhecê-lo
socialmente nem de conhecer algumas de suas histórias.
Trabalhar numa usina
hidrelétrica é uma experiência semelhante a viver numa terra de gigantes. Tudo
lá dentro é enorme e tanto as forças que movimentam suas máquinas, como a
energia que lá é produzida tem dimensões titânicas. A usina trabalha vinte e
quatro horas por dia e as equipes de operação se revezam continuamente no seu
controle. Os candidatos a operadores, naturalmente, são submetidos a um
treinamento prévio antes de ingressar na carreira. Uma vez efetivado no cargo,
o indivíduo é classificado como Operador I e, de acordo com o seu desempenho e
com as oportunidades, o mesmo poderá galgar novas classificações que significam
maior remuneração e também mais responsabilidade. Dentro desse contexto, cada
equipe de operadores é composta por vários elementos, sendo que aquele que é
mais experiente exerce o comando da equipe e é denominado de Encarregado de
Turno. No comando da unidade de geração como um todo, tem também a figura do
Encarregado da Usina, cargo que também é exercido por um operador, a quem
cumpre responder por toda a operação perante o serviço de engenharia da
empresa.
Quando fui trabalhar
na Usina Apolônio Sales, o meu treinamento foi aplicado por Guabiraba, cabra
nascido e criado dentro do sistema CHESF e conhecedor profundo de todas as
minúcias do funcionamento daquela usina. Pouco tempo após a minha efetivação na
empresa, Guabiraba aposentou-se, mas, além das grandes lições que me deixou,
tem também uma história do tempo em que ele foi o Encarregado da Usina.
Contam os meus
antigos colegas da Operação que, certo dia, diante da aposentadoria de alguns
antigos operadores, a fila andou e Guabiraba anunciou para Torquato que ele
seria, a partir de então, o novo encarregado do seu turno. Para tomar aquela
decisão o chefe levou em consideração tanto o tempo quanto a experiência que o
operador acumulara ao longo de muitos anos de serviço. Com certeza, a decisão
foi tomada baseada em fatores inquestionáveis, pois Torquato conhecia muito bem
aquele gigante de concreto e aço. O problema é que nesta tomada de decisão não
foi levado em consideração uma variável extremamente importante, a ambição do
indivíduo. Por favor, não estou aqui falando em ganância, mas sim no desejo
legítimo de se ter ou possuir alguma coisa. Joel Torquato tinha de fato todos
os requisitos técnicos necessários ao exercício do comando de um turno, mas ele
sabia que o desfrute daquela posição implicava em responsabilidades bem maiores
e este encargo ele simplesmente não almejava. Não se sabe o porquê dele não ter
recusado de imediato, mas o certo é que Torquato aceitou, ou seria melhor
dizer, acatou a missão.
Eu tenho a absoluta
certeza que cada um de nós conhece pelo menos uma pessoa capaz de "vender
a própria mãe" só para usufruir do binômio "dinheiro - poder". O
problema é que Joel simplesmente não se enquadra nessa categoria de pessoas.
Dinheiro para garantir o sustento digno da sua família ela já obtinha
honestamente no exercício do seu ofício. No tempo em que ele ingressou nos
quadros da CHESF a companhia proporcionava casa aos seus funcionários e, graças
a essa regalia, ela já usufruía de uma boa casa, numa rua tranquila e
arborizada em frente a um lago. A função de Encarregado de Turno conferia-lhe
uma prerrogativa hierárquica, podendo também servir de meio para atingir alguma
promoção, mas ele simplesmente estava satisfeito com aquilo que já obtivera.
Os turnos se passaram
e o Encarregado da Usina começou a se preocupar com o desempenho do novo
Encarregado de Turno. Dedicado e detalhista como era, eu fico só imaginando o
estado de espírito em que se encontrava o meu treinador. Dia vai, dia vem e
Guabiraba ficava cada vez mais irrequieto, parecendo mais uma galinha quando
quer por. Torquato por sua vez ia cumprindo turno após turno, arranjando um
jeito de driblar as situações de estresse que porventura aparecessem. É lógico
que essa situação não poderia continuar, mas, como um grande ser humano,
Guabiraba sentia-se imensamente constrangido em ter que destituir o colega. O
tempo continuou passando e diante da persistência do quadro ele tomou a decisão
e resolveu ter uma conversa com o rapaz. Puxou ele para um lado, começou a
falar sobre a usina, sobre o trabalho, arrodeou, fez mil voltas enquanto
procurava coragem para comunicar ao colega sua decisão. O tempo todo ele ficava
imaginando qual seria a reação de Torquato quando a destituição fosse
informada. Respirou, criou coragem e finalmente deu seu veredito: a partir
daquele dia ele não seria mais o encarregado daquele turno. Ouvindo aquelas
palavras Torquato olhou para ele e disse:
- Muito
obrigado Guabiraba, você tirou um grande peso das minhas costas.
Resposta inesperada,
alívio para ambas as partes.
Daí em diante o tempo
seguiu sua marcha e, finalmente, Torquato alcançou sua merecida aposentadoria.
Hoje, ainda desfrutando de bastante vigor físico, dedica-se a duas paixões, a
família e o motociclismo, enquanto continua morando naquela mesma casa em
frente ao lago.
A propósito, segundo
Max Gehringer, embasado num livro escrito há 2.300 anos, "sucesso é o sono
gostoso, se a fartura do rico não o deixa dormir ele estará acumulando ao mesmo
tempo a sua riqueza e a sua desgraça".
Numa era onde o sucesso é tratado não como um prêmio, mas sim como obrigação, encaminho a todos um abraço forte, muita energia e o desejo de que cada um obtenha, na devida medida, muito sucesso.
Numa era onde o sucesso é tratado não como um prêmio, mas sim como obrigação, encaminho a todos um abraço forte, muita energia e o desejo de que cada um obtenha, na devida medida, muito sucesso.
Saúde, luz e paz
Virgílio Agra
Virgílio Agra
(Escrito em 15/11/2011)
Falando em Max Gehringer, ouça o que ele tem a dizer
sobre o tema “sucesso”.
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