Adinaldo,
Sandra, Felipe e Heline
Colegas de todas as profissões
Se você está lendo esta crônica, significa que você, no mínimo, aprendeu a ler na escola onde estudou. Neste grande país umas instituições de ensino enfrentam grandes dificuldades para cumprir os seus objetivos, enquanto outras se orgulham dos seus níveis de excelência, mas uma coisa é certa, não importa em que escola você estudou, a cultura popular te reservará boas e grandes lições.
Há umas semanas atrás, empreendi uma visita a uma amiga chamada Sandra, que estudara comigo nas bancas do Instituto Sagrada Família, lá nas bandas da Ribeira do Panema. Além da oportunidade de relembrar velhos tempos, bote tempo nisso, tive a oportunidade de conhecer sua família, composta por seu esposo e um casal de filhos. A garota ainda é estudante, mas o rapaz formou-se recentemente em odontologia e já está batalhando em busca do seu devido espaço no mercado de trabalho.
Felipe é o tipo de cara que conquista você somente com o seu sorriso e, além de inteligente e comunicativo, é também extremamente perspicaz, qualidade que este simples caeté tanto admira. Começando sua vida profissional, ele não se intimidou com as dificuldades e foi trabalhar numa clínica na cidade de União dos Palmares, lá no pé da Serra da Barriga, berço do Quilombo dos Palmares. Quando ele chegou naquela cidade do interior, entrou um paciente no seu consultório e foi logo dizendo:
- Doutor, eu vim aqui para o senhor "distrair" meu dente.
Ele na hora ficou em dúvida se contratava uma banda de forró para fazer um show ou se chamava um grupo de boêmios para fazer uma serenata para o dente doente. Na dúvida, ele começou a cantarolar ao mesmo tempo em que perguntava ao homem se o dente estava mais calmo. Ora essa! O menino passou cinco anos na faculdade, saiu sabendo o nome de cada neurônio do queixo de uma pessoa e não teve um único professor que dissesse para ele que na linguagem do matuto não existe extração e sim "distração".
O tempo passou e um belo dia, o jovem odontólogo (ele não aceita ser chamado de dentista) atendeu certo paciente e apresentou o diagnóstico. O cara então foi direto ao assunto e perguntou o quanto custava o tratamento. O sujeito já tinha consultado outro odontólogo e, espantado com o preço apresentado, disse:
- Vige Maria Doutor! O preço do sinhô é o "quadrúpede" do outro.
Diante da cavalar comparação Felipe só ficou em dúvida se ria ali mesmo, na frente do cliente, ou se saia da sala para rir do lado de fora.
Outro dia chegou um senhor de idade com o queixo todo inchado por causa de um dente. O garoto olhou a situação e viu que o quadro era grave e, caso não fossem dispensados os devidos cuidados, o homem poderia ser vítima de uma grave infecção. Após a análise do problema veio a pergunta que era de se esperar, ou seja, quanto custaria o tratamento. O dente do cara devia estar doendo pra danar, mas quando ele soube o quanto custaria... A notícia doeu muito mais. O homem começou a chorar porque não tinha o dinheiro suficiente para pagar. Felipe disse que esse foi um dos momentos mais difíceis da sua carreira profissional ainda se iniciando. Naquele momento sua consciência ficou se batendo entre o princípio ético de cobrar um preço justo pelo serviço prestado e outro princípio que manda amar ao próximo como a si mesmo. Sabendo que a não realização do procedimento poderia significar até mesmo a morte do paciente e, sendo filho de quem ele é, a escolha não poderia ser outra, disse ao homem que se acalmasse que ele faria o tratamento.
Terminado o seu horário de trabalho, ao passar pela recepção da clínica, a recepcionista procurou o nosso "Boticão de Ouro" para entregar um dinheiro. Tratava-se de uma quantia que aquele homem havia deixado como pagamento pelo tratamento, eram apenas 25 reais e era tudo que ele tinha nos bolsos, era o valor máximo que ele poderia pagar. Dias depois, ao chegar à clínica para mais uma jornada de trabalho, soube que o mesmo homem havia deixado um saco de mangas e outras frutas, como recompensa pelo tratamento humano que recebera, era o jeito dele demonstrar sua gratidão. Foi um verdadeiro festival de frutas.
É interessante observarmos que, longe dos salões acadêmicos e das camadas cultas da sociedade, as pessoas comuns do povo, dos mais distantes rincões deste grande país, na sua simplicidade encontram a sua maneira de se comunicar e cabe a nós, recebedores da dádiva da educação, e não a eles, entender a mensagem transmitida. Assim, faremos nossa parte para que as diferenças culturais não se tornem num abismo capaz de separar pessoas por conta de diferenças de escolaridade.
Voltando ao caso da "distração" do dente, lembrei-me que há uns dez anos uma velha comadre minha falando sobre seus problemas disse:
- "Ói cumpade"! Tem horas que dá uma "desimpaciença" tão grande que eu "num" sei nem o que faço.
Como faz muito tempo, eu não me lembro o caminho que a conversa tomou, mas a expressão da minha comadre eu nunca esqueci. Refletindo matematicamente sobre a estrutura do termo, não pude deixar de concluir que a negativa de uma negação corresponde a uma afirmativa, logo des-im-paciência só pode representar paciência. Portanto, se na semana que se inicia vocês tiverem de enfrentar um grave problema, daqueles que dão aquela famosa dor-de-cabeça, procurem distrair a mente, dêem uma volta na praça, respirem ar puro, dêem um beijo na pessoa amada, mas se tudo isso não adiantar só espero que todos tenham muita desimpaciência para enfrentar os percalços da vida.
Saúde, luz e paz
Virgílio Agra.
Se você está lendo esta crônica, significa que você, no mínimo, aprendeu a ler na escola onde estudou. Neste grande país umas instituições de ensino enfrentam grandes dificuldades para cumprir os seus objetivos, enquanto outras se orgulham dos seus níveis de excelência, mas uma coisa é certa, não importa em que escola você estudou, a cultura popular te reservará boas e grandes lições.
Há umas semanas atrás, empreendi uma visita a uma amiga chamada Sandra, que estudara comigo nas bancas do Instituto Sagrada Família, lá nas bandas da Ribeira do Panema. Além da oportunidade de relembrar velhos tempos, bote tempo nisso, tive a oportunidade de conhecer sua família, composta por seu esposo e um casal de filhos. A garota ainda é estudante, mas o rapaz formou-se recentemente em odontologia e já está batalhando em busca do seu devido espaço no mercado de trabalho.
Felipe é o tipo de cara que conquista você somente com o seu sorriso e, além de inteligente e comunicativo, é também extremamente perspicaz, qualidade que este simples caeté tanto admira. Começando sua vida profissional, ele não se intimidou com as dificuldades e foi trabalhar numa clínica na cidade de União dos Palmares, lá no pé da Serra da Barriga, berço do Quilombo dos Palmares. Quando ele chegou naquela cidade do interior, entrou um paciente no seu consultório e foi logo dizendo:
- Doutor, eu vim aqui para o senhor "distrair" meu dente.
Ele na hora ficou em dúvida se contratava uma banda de forró para fazer um show ou se chamava um grupo de boêmios para fazer uma serenata para o dente doente. Na dúvida, ele começou a cantarolar ao mesmo tempo em que perguntava ao homem se o dente estava mais calmo. Ora essa! O menino passou cinco anos na faculdade, saiu sabendo o nome de cada neurônio do queixo de uma pessoa e não teve um único professor que dissesse para ele que na linguagem do matuto não existe extração e sim "distração".
O tempo passou e um belo dia, o jovem odontólogo (ele não aceita ser chamado de dentista) atendeu certo paciente e apresentou o diagnóstico. O cara então foi direto ao assunto e perguntou o quanto custava o tratamento. O sujeito já tinha consultado outro odontólogo e, espantado com o preço apresentado, disse:
- Vige Maria Doutor! O preço do sinhô é o "quadrúpede" do outro.
Diante da cavalar comparação Felipe só ficou em dúvida se ria ali mesmo, na frente do cliente, ou se saia da sala para rir do lado de fora.
Outro dia chegou um senhor de idade com o queixo todo inchado por causa de um dente. O garoto olhou a situação e viu que o quadro era grave e, caso não fossem dispensados os devidos cuidados, o homem poderia ser vítima de uma grave infecção. Após a análise do problema veio a pergunta que era de se esperar, ou seja, quanto custaria o tratamento. O dente do cara devia estar doendo pra danar, mas quando ele soube o quanto custaria... A notícia doeu muito mais. O homem começou a chorar porque não tinha o dinheiro suficiente para pagar. Felipe disse que esse foi um dos momentos mais difíceis da sua carreira profissional ainda se iniciando. Naquele momento sua consciência ficou se batendo entre o princípio ético de cobrar um preço justo pelo serviço prestado e outro princípio que manda amar ao próximo como a si mesmo. Sabendo que a não realização do procedimento poderia significar até mesmo a morte do paciente e, sendo filho de quem ele é, a escolha não poderia ser outra, disse ao homem que se acalmasse que ele faria o tratamento.
Terminado o seu horário de trabalho, ao passar pela recepção da clínica, a recepcionista procurou o nosso "Boticão de Ouro" para entregar um dinheiro. Tratava-se de uma quantia que aquele homem havia deixado como pagamento pelo tratamento, eram apenas 25 reais e era tudo que ele tinha nos bolsos, era o valor máximo que ele poderia pagar. Dias depois, ao chegar à clínica para mais uma jornada de trabalho, soube que o mesmo homem havia deixado um saco de mangas e outras frutas, como recompensa pelo tratamento humano que recebera, era o jeito dele demonstrar sua gratidão. Foi um verdadeiro festival de frutas.
É interessante observarmos que, longe dos salões acadêmicos e das camadas cultas da sociedade, as pessoas comuns do povo, dos mais distantes rincões deste grande país, na sua simplicidade encontram a sua maneira de se comunicar e cabe a nós, recebedores da dádiva da educação, e não a eles, entender a mensagem transmitida. Assim, faremos nossa parte para que as diferenças culturais não se tornem num abismo capaz de separar pessoas por conta de diferenças de escolaridade.
Voltando ao caso da "distração" do dente, lembrei-me que há uns dez anos uma velha comadre minha falando sobre seus problemas disse:
- "Ói cumpade"! Tem horas que dá uma "desimpaciença" tão grande que eu "num" sei nem o que faço.
Como faz muito tempo, eu não me lembro o caminho que a conversa tomou, mas a expressão da minha comadre eu nunca esqueci. Refletindo matematicamente sobre a estrutura do termo, não pude deixar de concluir que a negativa de uma negação corresponde a uma afirmativa, logo des-im-paciência só pode representar paciência. Portanto, se na semana que se inicia vocês tiverem de enfrentar um grave problema, daqueles que dão aquela famosa dor-de-cabeça, procurem distrair a mente, dêem uma volta na praça, respirem ar puro, dêem um beijo na pessoa amada, mas se tudo isso não adiantar só espero que todos tenham muita desimpaciência para enfrentar os percalços da vida.
Saúde, luz e paz
Virgílio Agra.
(Escrito em 04/04/2011)
3 comentários:
Amigo e colega Virgílio Agra, Já li e reli diversas vezes esta crônica que tivemos o privilégio de fazer parte como personagens de uma história.Mais uma vez venho agradecer-lhe este carinho para com meu filho Felipe.E que já tenho também com sua esposa Eliane, janaína e Juliana.
Para você, nossos sinceros agradecimentos !
Adinaldo, Sandra ,
Sandra.
Você é mãe e filha de uma família iluminada, eu só escrevi aquilo que senti.
Um grande abraço para você, Adinaldo, Heline e Felipe.
Amigo e colega Virgílio ,
Não sei porque, não saiu o nome de Heline e Felipe , dois admiradores seus também ,e o nome de sua filha saiu a inicial em letras minúsculas , fica então retificado meus erros de digitações , somente .
Grata pela atenção .Abraços para toda família :Eliane , Juliana , Janaína E você .
Sandra.
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