domingo, 11 de março de 2012
Fazendo a feira
(escrito em 10/05/2009)
Colegas de todas as feiras livres
Por que será que a gente diz que foi "fazer a feira"? Ninguém faz uma feira... pelo menos não, sozinho. O que cada um de nós é capaz de fazer, no máximo, é compras na feira. As feiras surgem com naturalidade e sobrevivem com tamanha persistência que desafiam o tempo e as legislações. Na cidade de Paulo Afonso, no sertão baiano, onde morei por quase 20 anos, em certa época a prefeitura abriu um conjunto de novas ruas com um largo para abrigar a feira da cidade, a intenção era remover a feira do local onde era realizada, em ruas estreitas, para um local mais amplo. O máximo que conseguiu, foi criar uma nova feira que passou a ser denominada de Feira Grande e a antiga feira, que existe até os dias de hoje, passou a ser denominada de Feirinha.
Hoje, morando na capital das terras caetés, costumo "fazer feira" na Feirinha da Jatiúca. Como o próprio nome já diz, trata-se de uma feira pequena, uma feira de bairro, e todas as vezes que para lá me dirijo não consigo deixar de me lembrar da minha época de criança, na minha cidade natal, quando ia com minha mãe "fazer a feira". Em Santana do Ipanema a feira acontecia, como até hoje, nos dias de sábado. Porém, como os feirantes já começavam a instalar suas toldas às sextas-feiras, o moradores da cidade, se antecipavam e "faziam a feira" nas sextas à noite, enquanto os moradores da zona rural lotavam as ruas centrais da cidade aos sábados.
Lembro-me que minha mãe me levava todas as sextas, não para passear, mas para carregar as compras, esta era uma das minhas atribuições na divisão dos afazeres domésticos. Meu pai nos levava de carro, e lá chegando, entrávamos naquele burburinho de bancas, gente e mercadorias. A primeira parada era no açougue. Considerando-se as atuais exigências dos órgãos de saúde pública, eu fico a me perguntar como eu, e toda a minha geração, conseguiu sobreviver consumindo a carne que era transportada e comercializada naquele lugar. Naquela época, toda pessoa que ia "fazer a feira", obrigatoriamente, levava cestas e sacolas para ir colocando os produtos comprados. Dentre esses equipamentos obrigatórios, lembro-me que levávamos sempre um pequeno balde de plástico que era usado exclusivamente para colocar a carne. Lembro-me que algumas pessoas usavam aqueles carrinhos com rodinhas próprios para transportar as compras, mas mamãe preferia usar umas cestas de palha de ouricuri e umas sacolas de cipó muito usadas naquela época. Será que essa preferência tinha alguma coisa a ver pelo fato de que quem carregava as sacolas era eu?
Em frente ao açougue havia um galpão coberto, usado para o comércio de farinha e cereais, era o Mercado da Farinha. Convém lembrar que no Nordeste Brasileiro quando alguém fala em farinha subentende-se estar se referindo àquela feita de mandioca, caso a pessoa queira referir-se a outro tipo qualquer, de trigo, por exemplo, tem que falar expressamente, senão poderá ser mal entendido. Interessante é observar que o gosto pelo produto varia muito de um lugar para outro. Enquanto lá na região norte os amazônicos gostam de uma farinha grossa e um pouco amarelada, lá no sertão de Alagoas ela tinha que ser alva e bem fininha, sendo que, independentemente de onde fosse produzida, era chamada de Farinha de Sergipe. Visando garantir a boa qualidade da farinha que consumíamos, meus pais preferiam comprar o produto através de encomendas feitas a pessoas que a produziam ou comercializavam na região, de modo que não me lembro de um dia ter feito compras no Mercado da Farinha.
Saindo do açougue começava uma longa romaria, primeiro na Feira das Verduras, que ocorria numa área mais plana no entorno do mercado, em seguida começava um sobe e desce pela rua onde se instalava a Feira das Frutas. É de se frisar o aspecto do subir e descer, porque a cidade foi construída nas encostas das serras que formavam o Vale do Rio Ipanema e as ladeiras de Santana são umas das características da cidade.
Minha mãe, sempre zelosa, procurava as frutas e verduras melhores e com o menor preço, então ia e vinha, subia e descia, pesquisando, escolhendo e pechinchando. O problema é que eu tinha que acompanhá-la e, conforme as compras iam se efetivando, as cestas, de palha, cipó ou nylon, iam ficando cada vez mais pesadas e eu ia fazendo, semanalmente, um misto de musculação com exercícios aeróbicos.
Terminadas as compras, algumas vezes retornávamos para casa de carro com papai, mas outras vezes minha mãe mandava que eu fosse logo para casa levando uma parte das compras e então eu partia, fazendo algumas paradas para descansar e trocar as sacolas de uma mão para a outra até chegar em casa. Com o tempo eu comecei a criar um desafio para mim mesmo, quanto tempo eu aguentaria sem parar, nem trocar as cestas de mão. Quando finalmente consegui cumprir todo o percurso, sem parada nenhuma, passei a admirar as marcas das alças que ficaram impressas nos meus dedos.
Hoje, "fazendo a feira" na Feirinha da Jatiúca, observo quantas diferenças existem entre aqueles tempos e o de hoje. Nos dias de pouco movimento alguns clientes param os carros em frente às bancas e são atendidos num verdadeiro "drive thru". As barracas são equipadas com balanças eletrônicas, máquinas de calcular e ainda disponibilizam "carrinhos de supermercado" para os clientes levarem suas compras até os seus automóveis. Já existem feirantes que prestam o atendimento "delivery", recebendo os pedidos dos clientes por telefone, fazendo as entregas através de "motoboys" e aceitando até ligação a cobrar. O coco seco é quebrado e raspado na hora, e se o cliente quiser, já leva a macaxeira descascada para casa. Até agora só não vi o pagamento com cartão de crédito, mas com certeza é apenas uma questão de tempo.
As feiras de hoje são práticas, cheias de comodidades e estrangeirismos, onde encontram-se frutas que as vezes são importadas, as vezes têm nomes esquisitos como kiwi e manga tommy athikins mas, apesar da praticidade, tenho saudades da feira de Santana do Ipanema, das frutas que vinham da Serra do Poço: manga rosa e manga espada, bananas maçã, prata, anã e pão, laranjas de vários tipos, caju e jaca.
Após tantos anos, sinto o quanto foi importante para mim ter subido e descido as ladeiras da Feira das Frutas acompanhando minha mãe, carregando as cestas e sacolas que marcavam o couro das mãos. É engraçado lembrar que as marcas nas mãos desapareciam em poucos minutos, mas as lições que ela me passou estão comigo até hoje. Hoje, minha mãe "faz a feira" na Feira Grande de Paulo Afonso enquanto eu "faço a feira" na Feirinha da Jatiúca. Agora eu acompanho outra mãe, a mãe das minhas filhas, mas hoje, os tempos são outros.
Espero que todos tenham uma ótima semana.
Desejo que todos possam gozar de boa saúde, muita paz e um carinho de mãe,
Virgílio Agra.
PS - 1: Para o conhecimento de todos, informo que atualmente os cartões de crédito já são aceitos na Feirinha da Jatiúca.
PS - 2: Já que o assunto é a feira-livre nordestina, que tal ouvir a versão dessa história em forma de musica, composta por Sivuca e Glorinha Gadelha, na interpretação com sotaque nordestino do Clã Brasil.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário