terça-feira, 22 de maio de 2012

Pedido de cabeça

Araticum (esquerda) e Pinha (direita)
(escrito em 11/08/2009)

Colegas de todos os medicamentos.

A farmacopeia brasileira deveria ser considerada um elemento componente da cultura nacional. Graças à diversidade da nossa flora, a indústria farmacêutica produz uma variedade enorme de produtos baseando-se na capacidade curativa de plantas que já era conhecida pela cultura popular. Muitas dessas plantas eram cultivadas nos quintais das nossas avós e passaram a receber denominações que variavam de acordo com a região em que se situavam. Um grande exemplo dessa variedade e mistura de nomenclatura é a Pinha. Fruta bastante apreciada no sertão nordestino, também é denominada de Fruta-do-conde e Ata. Por sua vez, o Araticum, planta típica do cerrado, mas que também ocorre em menor proporção no sertão, recebe, da mesma maneira, a denominação de Fruta-do-conde, Ata, Marolinho e Cabeça-de-negro e foi baseando-se exatamente em alguns princípios ativos do Araticum que certa empresa começou a produzir um medicamento batizando-o de “Elixir Cabeça-de- negro”.

No último final de semana "dei uma chegadinha" ao sertão de Paulo Afonso, onde fui resolver uns assuntos e dar um abraço no meu velho pai. Dando uma volta pelo comércio, passei em frente à Farmácia do Peu e me lembrei de uma história que ouvi do seu proprietário.

Quando fui morar em Paulo Afonso, a mais de vinte anos atrás, conheci Peu como balconista numa rede de farmácias local. Ele é afrodescendente, mas me limitar a descrevê-lo apenas pela denominação “politicamente correta” da cor da sua pele, seria superficial e inquestionavelmente impreciso. Sempre me chamou a atenção o corte impecável do seu cabelo que ele mantinha com muito zelo. Sujeito alto, com mais de um metro e oitenta de altura, é muito elegante, não apenas pela sua postura física, mas também pelo jeito de falar, sempre em tom baixo, com uma voz calma e um sorriso que conquista todo mundo. A sua simpatia é tamanha que encontrar alguém que não lhe tenha uma palavra de elogio é tarefa incluída no rol das missões impossíveis. Além de atender no balcão, aprendeu a fazer curativos e tornou-se também um exímio aplicador de injeção, de modo que cheguei a conhecer pessoas que se referiam a ele como "Dr. Peu". Com muito trabalho e todas essas qualidades, hoje é dono do seu próprio negócio e tem uma clientela que com certeza não abre mão nem do seu atendimento, nem do seu sorriso. Mas vamos à tal história.

Peu me contou que um dia estava sozinho no balcão da farmácia e entrou um matuto (termo usado para designar aquele que vive na zona rural, na roça, no mato, portanto, matuto). Ao prontificar-se para atendê-lo, o cliente titubeou e todo encabulado falou:

 - Eu quero...

E não terminou o que queria dizer.

Peu, com aquela calma dele, olhou para o homem e disse:

 - Pois não Senhor? Pode falar que eu atendo.

O cabra olhou para um lado e para o outro, olhou para o fundo da farmácia como se esperasse surgir alguém e todo envergonhado falou:

 - Eu queria...

E não concluiu. O sujeito "tava" parecendo mulher quando ia comprar Modess. Naquele tempo, uma mulher só comprava absorvente numa farmácia que tivesse outra mulher para atender e a vendedora teria que ter o cuidado de já trazer o produto embalado em papel de embrulho, para não chamar a atenção dos demais presentes.

 - Pode pedir Senhor. Não se acanhe, não.

O sujeito olhou mais uma vez para o fundo da farmácia e chegando a conclusão que não havia outra pessoa para atendê-lo, respirou fundo, coçou a cabeça e todo encabulado olhou para Peu e disse:

 - Eu queria... "Cabeça de Vosmecê".

Pois bem colegas, enquanto isso, num "certo país emergente" onde faltam escolas e creches, crianças são esmagadas por tratores enquanto dormem num lixão e parlamentares se digladiam dizendo e fazendo o que bem querem sem o menor escrúpulo. Parece até que, vergonha daquilo que diz, ou daquilo que pede, só quem tem mesmo... é um pobre matuto.

Mas nem tudo está perdido, o prefeito da capital do Paraíso das Águas já anunciou que vai cercar e iluminar o lixão da cidade. Que se faça... a luz.

Aproveitando a oportunidade da homenagem aos pais, ao meu em particular, mando um abraço ao carioca e caeté honorário Leandro Neves, que viveu no último final de semana o seu primeiro Dia dos Pais. Uma ótima semana para todos e todas.

Saúde e paz.

Virgílio Agra.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Nem toda taturana é lagarta de fogo




(escrito em 05/08/2009)

Colegas de todas as biodiversidades!

Sempre enaltecendo a variedade cultural do nosso grande país, estava refletindo esta semana sobre algumas coisas que, a depender da região, pode ter nomes completamente diferentes. O "pernilongo" do sul/sudeste é conhecido no nordeste como "muriçoca" e no norte como "carapanã". O cajá do nordeste é conhecido no norte como taperebá, enquanto que no sudeste cajá é o nome de outra fruta, que por sua vez é conhecida no nordeste como cajarana (Ô confusão da peste).

Quando eu era criança, na minha pequena cidade lá no sertão alagoano, lembro-me que próximo à minha casa havia muitos terrenos baldios e pequenos sítios que invariavelmente eram cobertos de mato. Às vezes entrávamos nessas áreas para brincar de polícia e ladrão, para caçar passarinhos (eu era um péssimo caçador, nunca matei nada) ou simplesmente para explorar o terreno. Lembro-me também que tínhamos um cuidado especial com urtigas e lagartas de fogo. Tive o desprazer de alguns encontros casuais com as urtigas, mas, felizmente, com relação às lagartas de fogo, contentei-me com os relatos dos colegas que juravam que à noite faíscas podiam ser vistas saltando desses animais.

Consultando uma enciclopédia on-line, descobri que o bicho que eu conhecia como lagarta de fogo, em alguns lugares é conhecido como marandová e na maior parte do Brasil é conhecido como taturana, palavra originada do tupi: tata = "fogo" e rana = "semelhante". Esse gênero de lagartas é dotado de pelos capazes de liberar um veneno que pode provocar queimaduras na pele, hemorragia, insuficiência renal e até mesmo provocar a morte. O que as enciclopédias não ensinam, pelo menos por enquanto, é que em terras caetés a palavra taturana ganhou um novo significado.

Há uns dois anos atrás, a Polícia Federal desencadeou uma operação policial para apurar o desvio de aproximadamente 300 milhões de reais da Assembléia Legislativa do Estado de Alagoas. Tal ação foi denominada de "Operação Taturana". O desenrolar dos fatos incluiu o afastamento de um pouco mais de dez deputados estaduais, que por este motivo passaram a ser reconhecidos como "taturanas", uma verdadeira ofensa as pobres lagartas de fogo.

Após passarem mais de um ano afastados das atividades parlamentares, apesar de continuarem recebendo durante todo este tempo seus vultosos subsídios, a
aproximadamente uma semana atrás, graças a uma decisão judicial superior, os "taturanas" retornaram aos seus cargos, um verdadeiro atentado contra a dignidade dos cidadãos e cidadãs de bem do meu pobre estado.

Não satisfeito com o escandaloso retorno ao cargo, o "deputado" (assim, entre aspas e com letras minúsculas) Cícero Ferro resolveu atacar o ex-Desembargador Antônio Sapucaia, responsável pela decisão que levou ao afastamento da maior parte dos "taturanas". Talvez pelo fato de não ter, como as lagartas de fogo, pelos capazes de ferir ou machucar, o "parlamentar" resolveu usar a língua para liberar todo o seu veneno, desferindo uma campanha difamatória contra o ex-Magistrado, acusando-o de ter recebido quantia indevida do Tribunal de Justiça de Alagoas.

Indignado com o veneno verbal do "taturana", Sapucaia lançou um desafio público ao agressor que transcrevo na íntegra conforme publicado no Jornal Extra Alagoas em 29/07/2009.

“Certo deputado estadual foi à tribuna da Assembléia Legislativa e a um dos programas
da Rádio Gazeta e, de forma injuriosa e atrevida, acusou-me de haver desviado R$
1.740.000,00 do Tribunal de Justiça de Alagoas.
Não conheço pessoalmente o iminente parlamentar (escrevo com “i”, pois ele vive sempre na iminência de praticar algum mal); nunca lhe fiz crítica alguma; nunca julguei nada, na condição de magistrado, contra ou a favor dele, ignorando, portanto, a sua existência, salvo as vezes que o vejo na televisão algemado e conduzido à cadeia.
Por uma questão de assepsia moral, não vou citar-lhe o nome. Devo dizer simplesmente
que, mesmo que eu tivesse a vocação do parlamentar, eu jamais poderia ter desviado
um centavo que fosse do TJ de Alagoas, porquanto nunca exerci qualquer função
administrativa naquela Assembléia Judiciária. Tudo que recebi ao longo de 43 anos de
serviço público, dos quais 37 anos foram dedicados à magistratura, me foi devido.. Desafio a quem quer que seja a provar o contrário, inclusive o próprio Tribunal de Justiça e o Conselho Nacional de Justiça. Jamais me aconchegou à conta bancária alguma importância a que eu não fizesse jus, especialmente a fortuna mencionada irresponsável e levianamente pelo parlamentar.
Se o deputado não gosta de mim por haver afastado das atividades parlamentares
nove colegas seus, não havia, como não há, a mais mínima razão para injuriar-me de
forma tão desbragada e libertina. Importante é pontuar que, ao afastá-los temporariamente do Legislativo estadual, fi-lo – conforme se vê no meu despacho –, com fito de que evitassem exercer qualquer influência na colheita de provas na ação em andamento, atendendo a uma postulação do Ministério Público. Apenas cumpri o meu dever, e qualquer magistrado de bom senso teria feito a mesma coisa. Diga-se que em momento algum eu os chamei de ladrões ou bandidos, uma vez que as provas carreadas para os autos dependiam de apuração a ser feita na instrução do processo, que deveria ficar a cargo do juiz competente. Se houve demora na colheita probatória, não me coube nenhuma culpa, como se depreende das afirmações feitas pelo Dr. Gustavo Souza Lima,
que justificou as razões da demora no andamento das ações ajuizadas em desfavor dos
parlamentares afastados.
Portanto, eu não merecia as pedradas verbais que me foram atiradas pelo neurótico
parlamentar. É possível que no fundo seja ele uma pessoa de bons predicados, mas seu
comportamento e as suas manifestações na tribuna da Casa de Tavares Bastos e através da imprensa mostram, às completas, verdadeiros desvios de conduta, que podem
ser corrigidos por meio de tratamento psiquiátrico ou, talvez, psicológico. O parlamentar
é médico e poderá recorrer aos colegas do ramo especifico, visando curá-lo de seus
destemperos e das suas diatribes, evitando, assim, que Hipócrates e Tavares Bastos
possam se contorcer nos respectivos túmulos, arrependidos de terem desperdiçado os
seus ensinamentos.
Não pretendo polemizar com o deputado; apenas me limitarei a ajuizar uma ação por
danos morais, objetivando uma indenização que se destinará à Fazenda Esperança, em
Marechal Deodoro, que dedica suas atividades à recuperação de drogados. Não é sem
razão que sempre achei que qualquer tormenta ou dor moral não pode ser ressarcida
com dinheiro, mas, sim, deve ter função meramente pedagógica, sobretudo se o dinheiro
é de origem duvidosa. Insanidade, mendacidade e cleptomania são patologias que,
salvo engano, podem ser curadas, bastando ter coragem e disposição para fazê-lo.
Dispondo dos poderes e da impunidade que o cercam, por força do mandato parlamentar,
o deputado poderá mandar eliminar a minha vida, como costuma fazer, utilizando
armas e capangas pagos com dinheiro público. Entretanto, em nenhuma circunstância
ele jamais poderá eliminar a minha dignidade, mesmo usando da sua baba peçonhenta.
Quanto aos 15 minutos de fama que me foram atribuídos pelo parlamentar, posso afirmar que foram decorrentes do cumprimento do dever. E se cumprir o dever resulta em fama, asseguro de consciência tranquila que eu a desfrutei durante 37 anos, em vez de apenas 15 minutos.
Por derradeiro, lanço um desafio público ao deputado. Convido-o a provar, em documento que devamos sacramentar em cartório, se em qualquer tempo da minha vida
pública eu usei de algum centavo que não me fosse devido, constando o seguinte compromisso: se ele provar o contrário, eu renunciarei aos proventos que recebo como desembargador aposentado; se ele não o fizer, após as devidas formalidades, o deputado
renunciaria ao mandato e à atividade política, para o bem e a felicidade do povo alagoano.
Antônio Sapucaia*"
(*) Desembargador aposentado, atual Diretor-Presidente do Detran-AL.

Continuando os meus "profundos" estudos de entomologia via internet, descobri também que a mesma natureza que gerou as taturanas, também gerou os seus inimigos naturais, quais sejam, uma espécie de mosca e outra de vespa que depositam seus ovos no corpo das lagartas, cujas larvas alimentam-se das suas entranhas. Paralelamente ao que ocorre na natureza, nas mesmas terras caetés, hoje parasitada pelos "taturanas", também encontram-se os seus respectivos inimigos naturais, quais sejam, cidadãos e cidadãs de bem, pessoas que através de ações mais incisivas, a exemplo das vespas, dá uma boa e merecida ferroada nessas venenosas criaturas, como também encontra-se um eleitorado que, a depender da respectiva escolha, pode muito bem, a exemplo de uma mosca, estragar a sopa de certa categoria de indivíduos que vive dizendo por aí que "se lixa para a opinião pública".

Soube ontem que o Ministério Público de São Paulo espera recuperar 300 milhões de reais desviados dos cofres públicos pelo Sr. Paulo Salim Maluf. Coisas do nosso país, ao mesmo tempo tão diferente e tão igual. As quantias desviadas são iguaiszinhas, como iguais também são as expectativas do povo de norte a sul.

Pois bem colegas! Aliviado por me livrar da "porcaria" de uma gripe, em tempos de gripe suína, aproveito a oportunidade para transmitir a todos desta vez as minhas saudações vespasianas.

Saúde e paz

Virgílio Agra.
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