sábado, 20 de abril de 2013

O Urso Preto veio da barca de Noé



Na praça ao fundo era armado o palanque para a banda.
Na foto vêem-se os toneis pintados de branco, usados no balizamento da área da festa.
Ano 1969

Colegas de todos os carnavais.

Lembro-me que lá em Santana do Ipanema, quando eu era menino, na época carnavalesca a prefeitura montava um palco na praça, de frente para um largo e, com mais ou menos uma semana antes, uma banda tocava frevos todas as noites. Com alguns tonéis e cordas isolava-se uma área que à noite era tomada pela população que dançava ao ar livre procurando extravasar a alegria tão presente na alma do brasileiro. Não sei por que e até hoje não consegui entender, o evento era denominado de "Maratona".

Era um programa interessante, as famílias se dirigiam ao local e todos pulavam e dançavam sem distinções de classes. Meus pais me levavam para as Maratonas onde eu me misturava com a multidão, sempre junto de outros meninos da minha idade. Eu me divertia bastante e lembro que, para mim, o ponto alto da noite era quando aparecia o Bloco do Urso Preto. O bloco tinha como personagens principais um homem fantasiado de urso com uma corda amarrada na cintura, sendo conduzido por outro homem que era uma espécie de domador. O urso arremetia em direção à multidão como se fosse atacar e o domador então puxava a corda como se estivesse controlando "a fera". A meninada corria, alguns por medo e outros somente para fazer parte da folia. Eu achava o máximo "entrar na onda do Urso Preto", mas eu jamais imaginava que aquele bloco era uma das mais antigas tradições dos carnavais da minha cidade natal.

Contou-me Tia Ana que o Bloco do Urso Preto foi criado por Seu "Carôla", numa época em que eu não era nem nascido. Eu não conheci o fundador do bloco cujo nome de batismo era Coriolano, mas, provavelmente por conta de vício de linguagem, os matutos chamavam-no de "Cariolano" o que deve ter gerado o diminutivo "Carôla". Contam que ele tinha uma farmácia e, por conta disso, era denominado "farmacêutico". Naquela época, devido à carência e a falta de médicos na região, um "farmacêutico" era praticamente um "dotô". Da cidade ou do campo, bastava o cidadão chegar ao balcão da farmácia, contar o que sentia, o dono da farmácia passava o remédio e o cabra já se sentia melhor.

Nos dias de hoje, onde atrás do trio elétrico só não beija e é beijado quem já morreu e sambista boa é a que tem samba no pé e silicone nos peitos, o carnaval é o produto Made in Brazil mais conhecido no mundo todo, mas o que os foliões de hoje não sabem é que, nos meados do século passado, Santana do Ipanema já desenvolvera a tecnologia de exportação do carnaval.

O Bloco do Urso Preto, com Seu Carôla no comando e um amigo fantasiado, fazia tanto sucesso que, um belo dia, chegou um convite para uma apresentação na cidade de Mata Grande, lá nas serras do sertão alagoano. Convite recebido... Convite aceito. No dia da viagem embarcou num caminhão a agremiação completa: o urso, o domador, a bandinha e o resto do grupo que fazia a parte vocal, cantando a música do bloco. Chegando a Mata Grande a festa logo começou e, pelas ruas da cidade serrana, começaram a cantar a música que era sua marca registrada:

Mas como foi, mas como é
O urso preto veio da barca de Noé.
Mas como foi, mas como é
O urso preto veio da barca de Noé.

Todo mundo já dizia
Que esse urso não saía,
Esse urso anda na barca
Com prazer e alegria.

No carnaval Made in Sertão as famílias mais abastadas abriam suas portas para receberem os blocos de ruas que entravam nas casas e levavam a alegria para dentro dos lares. Era comum cantarem músicas exaltando os anfitriões e era regra o respeito pelo ambiente que os acolhia. E foi assim, subindo e descendo ladeira, entrando nas casas de pessoas amigas que o Urso Preto era acolhido na cidade e retribuía a todos com prazer e alegria. Por onde passava o bloco era recebido com comidas e bebidas, de modo que, enquanto cantavam e dançavam, os seus integrantes iam enchendo a pança com tudo aquilo que lhes era servido. A coisa andava muito bem até que, finalmente, o álcool começou a subir para as cabeças enquanto que as comidas seguiram o seu caminho em direção às profundezas intestinais. Foi nesse período em que o urso que, logicamente, também comia e bebia, aproximou-se de Seu Carôla e bem baixinho falou:

 - Seu Carôla eu quero cagar.

 - Sai pra lá urso - gritou o domador, empolgado com a festa e animado pelo efeito do álcool.

O bloco seguiu cantando em direção a outra casa numa folia que ficava cada vez mais animada. O urso fazendo sua encenação corria em direção aos grupos de pessoas, sendo imediatamente contido por um puxão na corda dado pelo zeloso domador, para alívio das crianças e mocinhas que corriam assustadas com tão horrenda criatura. Chegaram à casa seguinte e o urso mais uma vez aproximando-se do domador repetiu o apelo:

 - Seu Carôla eu quero cagar.

 - Sai pra lá urso - gritou mais uma vez o domador.

A alegria era total. A turma toda cantava, dançava e mais uma vez o urso se aproximou, repetiu o apelo e mais uma vez o domador repeliu a fera até que, em dado momento, começou a subir um cheiro podre na sala do anfitrião e a música foi parando, as pessoas foram se calando, uns começaram a engulhar e Seu Carôla perguntou:

 - Quem é o responsável por isso?

Foi nesse momento que a voz do urso foi ouvida:

 - Foi eu Seu Carôla.

 - Mas rapaz! Como é que você faz um negócio desses na casa do homem?

 - Eu falei Seu Carôla, mas o senhor não ouviu?

Aí, não teve mais jeito, a festa acabou e coube aos integrantes do bloco levar o seu personagem mais ilustre até um riacho próximo para se lavar, em seguida embarcar na carroceria do caminhão e fazer o caminho de volta para casa.

Caros amigos, numa semana em que um terremoto no Japão fez a imprensa esquecer uma guerra na Líbia eu não posso esquecer Leo Bulhões, menino talentoso que esta semana faz aniversário. A todos uma ótima semana com prazer e alegria.

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra

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