domingo, 28 de abril de 2013

Sucesso


Luís Pedro e Neném

Colegas de todos os tipos de sucessos

Quando eu era menino, pensava que sucesso era algo que a gente conseguia quando fumava uma marca de cigarros, pois nas mercearias da minha cidade natal tinha uns cartazes onde se lia:

 "Vá com "roliúdi" ao sucesso"

Para minha sorte, e azar do meu avô, descobri rapidamente que sucesso era sinônimo de câncer de pulmão e decidi que esse tipo de sucesso não servia para mim.

Em tempos mais distantes, antes de inventarem a palavra globalização, lá no sertão nordestino, sucesso tinha um significado bem diferente. Era o termo usado para denominar tiro acidental e foi com um tiro acidental que aconteceu uma história que foi, mais ou menos, assim:

No final do ano de 1926, ou início de 1927, na fazenda do Coronel Ângelo da Gia, uns cangaceiros jogavam baralho quando um deles, chamado Luiz Pedro, manobrou seu rifle que, acidentalmente, disparou e matou Antônio Ferreira, o irmão mais velho de Lampião. Diante do acontecido uns foram avisar o Capitão, que estava num local distante, enquanto outros colegas aconselharam:

 - Luiz Pedro, corra que Lampião vai "lhe" matar.

Consciente de que o tiro não fora intencional, Luiz Pedro decidiu, corajosamente enfrentar o julgamento de Lampião.

Quando o chefe dos cangaceiros chegou, confirmou a morte do irmão e ouviu aqueles que aconselhavam matar sumariamente Luiz Pedro, enquanto outros o defendiam alegando que fora um sucesso. O Capitão então, voltando-se para Luiz teria dito:

 - Se você tivesse fugido eu ia "lhe" matar mas, como você ficou e eu já conheço você de muito tempo, vou deixar você viver.

Agradecido pelo voto de confiança do líder Luiz Pedro falou:

 - Seu Capitão... O senhor poupou minha vida. Eu juro acompanhá-lo até o fim. No dia em que o senhor morrer, eu morro também.

Os anos se passaram, até que, no amanhecer do dia 28 de julho de 1938, na fazenda Angico, no estado de Sergipe, uma volante alagoana emboscou o bando de Lampião.  Foi tiro para todo lado. Enquanto tentavam fugir entre as pedras e a caatinga fechada os cangaceiros respondiam ao fogo, mas nessa altura dos acontecimentos Lampião já estava morto e Maria Bonita, com uma bala na perna, não conseguia escapar. Luiz Pedro foi um daqueles que conseguiu romper o cerco quando ouviu o grito de Dona Maria.

- Compadre Luiz Pedro. Lembra da sua promessa a Lampião?

Quando ouviu o grito Luiz parou. Dá para imaginar quanta coisa passou na mente do cangaceiro? Ele tinha um compromisso e romper com a palavra dada era uma atitude inaceitável no código de honra do cangaço. A vida de bandido era dura, a morte podia chegar a qualquer momento, mas para aquele homem era melhor enfrentar a morte do que levar uma vida de vergonha. Numa tentativa de iniciar um contra-ataque, chamou alguns companheiros, lembrou que Lampião trazia no seu corpo uma espécie de bolsa com muito dinheiro, era o "papo de ema", mas ninguém aceitou voltar. Um deles até disse:

 - Luiz Pedro a coisa lá tá feia, se entrar é morte certa.

Nesse momento, ele disse aquelas que seriam suas últimas palavras:

 - Um pernambucano morre, mas não quebra um trato.

Tudo isso ocorreu de maneira muito rápida e foi rapidamente que ele teve que tomar a sua decisão. Decidiu voltar. Voltou e morreu vítima do último tiro disparado naquele combate.

Hoje, no tempo da internet e da globalização, do outro lado do mundo, na terra do sol nascente, diante de um grave acidente nuclear, 180 homens aceitaram trabalhar voluntariamente para tentar conter um grande vazamento de radiação. Nós sabemos, e eles também devem saber, que o futuro lhes é extremamente incerto, é por isso que aproveito a oportunidade para desejar a todos eles o mais completo sucesso.

A história esta repleta de eventos em que uma única pessoa, ou um pequeno número delas, aceita sacrificar a própria vida em prol de uma causa. Os valores em jogo podem até sofrer variações, mas em todos esses eventos o que me admira é a capacidade que essas pessoas têm de abrir mão do bem mais precioso que se tem, a própria vida, para salvar a vida de outros ou até mesmo sua própria honra. Não importa se a história contada seja de 300 soldados de Esparta, um cangaceiro do sertão nordestino ou 180 samurais dos tempos modernos, as atitudes de coragem de todos eles merecem o meu mais profundo respeito.

Aos meus amigos desejo uma ótima semana e que a vida reserve a todos o melhor significado da palavra sucesso.

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra

OBS: Luiz Pedro é um personagem bem conhecido da história do cangaço. Para redigir esta crônica usei informações obtidas em algumas obras do maior historiador do cangaço, o Dr. Antônio Amaury Corrêa de Araújo.

(Escrito em 21/03/2011)


Em setembro de 2012, num passeio à cidade de São Paulo, tive a oportunidade de fazer uma visita ao Dr. Antônio Amaury Corrêa de Araujo. Fica aqui o registro da ocasião e uma homenagem a este grande homem e pesquisador.




sábado, 20 de abril de 2013

O Urso Preto veio da barca de Noé



Na praça ao fundo era armado o palanque para a banda.
Na foto vêem-se os toneis pintados de branco, usados no balizamento da área da festa.
Ano 1969

Colegas de todos os carnavais.

Lembro-me que lá em Santana do Ipanema, quando eu era menino, na época carnavalesca a prefeitura montava um palco na praça, de frente para um largo e, com mais ou menos uma semana antes, uma banda tocava frevos todas as noites. Com alguns tonéis e cordas isolava-se uma área que à noite era tomada pela população que dançava ao ar livre procurando extravasar a alegria tão presente na alma do brasileiro. Não sei por que e até hoje não consegui entender, o evento era denominado de "Maratona".

Era um programa interessante, as famílias se dirigiam ao local e todos pulavam e dançavam sem distinções de classes. Meus pais me levavam para as Maratonas onde eu me misturava com a multidão, sempre junto de outros meninos da minha idade. Eu me divertia bastante e lembro que, para mim, o ponto alto da noite era quando aparecia o Bloco do Urso Preto. O bloco tinha como personagens principais um homem fantasiado de urso com uma corda amarrada na cintura, sendo conduzido por outro homem que era uma espécie de domador. O urso arremetia em direção à multidão como se fosse atacar e o domador então puxava a corda como se estivesse controlando "a fera". A meninada corria, alguns por medo e outros somente para fazer parte da folia. Eu achava o máximo "entrar na onda do Urso Preto", mas eu jamais imaginava que aquele bloco era uma das mais antigas tradições dos carnavais da minha cidade natal.

Contou-me Tia Ana que o Bloco do Urso Preto foi criado por Seu "Carôla", numa época em que eu não era nem nascido. Eu não conheci o fundador do bloco cujo nome de batismo era Coriolano, mas, provavelmente por conta de vício de linguagem, os matutos chamavam-no de "Cariolano" o que deve ter gerado o diminutivo "Carôla". Contam que ele tinha uma farmácia e, por conta disso, era denominado "farmacêutico". Naquela época, devido à carência e a falta de médicos na região, um "farmacêutico" era praticamente um "dotô". Da cidade ou do campo, bastava o cidadão chegar ao balcão da farmácia, contar o que sentia, o dono da farmácia passava o remédio e o cabra já se sentia melhor.

Nos dias de hoje, onde atrás do trio elétrico só não beija e é beijado quem já morreu e sambista boa é a que tem samba no pé e silicone nos peitos, o carnaval é o produto Made in Brazil mais conhecido no mundo todo, mas o que os foliões de hoje não sabem é que, nos meados do século passado, Santana do Ipanema já desenvolvera a tecnologia de exportação do carnaval.

O Bloco do Urso Preto, com Seu Carôla no comando e um amigo fantasiado, fazia tanto sucesso que, um belo dia, chegou um convite para uma apresentação na cidade de Mata Grande, lá nas serras do sertão alagoano. Convite recebido... Convite aceito. No dia da viagem embarcou num caminhão a agremiação completa: o urso, o domador, a bandinha e o resto do grupo que fazia a parte vocal, cantando a música do bloco. Chegando a Mata Grande a festa logo começou e, pelas ruas da cidade serrana, começaram a cantar a música que era sua marca registrada:

Mas como foi, mas como é
O urso preto veio da barca de Noé.
Mas como foi, mas como é
O urso preto veio da barca de Noé.

Todo mundo já dizia
Que esse urso não saía,
Esse urso anda na barca
Com prazer e alegria.

No carnaval Made in Sertão as famílias mais abastadas abriam suas portas para receberem os blocos de ruas que entravam nas casas e levavam a alegria para dentro dos lares. Era comum cantarem músicas exaltando os anfitriões e era regra o respeito pelo ambiente que os acolhia. E foi assim, subindo e descendo ladeira, entrando nas casas de pessoas amigas que o Urso Preto era acolhido na cidade e retribuía a todos com prazer e alegria. Por onde passava o bloco era recebido com comidas e bebidas, de modo que, enquanto cantavam e dançavam, os seus integrantes iam enchendo a pança com tudo aquilo que lhes era servido. A coisa andava muito bem até que, finalmente, o álcool começou a subir para as cabeças enquanto que as comidas seguiram o seu caminho em direção às profundezas intestinais. Foi nesse período em que o urso que, logicamente, também comia e bebia, aproximou-se de Seu Carôla e bem baixinho falou:

 - Seu Carôla eu quero cagar.

 - Sai pra lá urso - gritou o domador, empolgado com a festa e animado pelo efeito do álcool.

O bloco seguiu cantando em direção a outra casa numa folia que ficava cada vez mais animada. O urso fazendo sua encenação corria em direção aos grupos de pessoas, sendo imediatamente contido por um puxão na corda dado pelo zeloso domador, para alívio das crianças e mocinhas que corriam assustadas com tão horrenda criatura. Chegaram à casa seguinte e o urso mais uma vez aproximando-se do domador repetiu o apelo:

 - Seu Carôla eu quero cagar.

 - Sai pra lá urso - gritou mais uma vez o domador.

A alegria era total. A turma toda cantava, dançava e mais uma vez o urso se aproximou, repetiu o apelo e mais uma vez o domador repeliu a fera até que, em dado momento, começou a subir um cheiro podre na sala do anfitrião e a música foi parando, as pessoas foram se calando, uns começaram a engulhar e Seu Carôla perguntou:

 - Quem é o responsável por isso?

Foi nesse momento que a voz do urso foi ouvida:

 - Foi eu Seu Carôla.

 - Mas rapaz! Como é que você faz um negócio desses na casa do homem?

 - Eu falei Seu Carôla, mas o senhor não ouviu?

Aí, não teve mais jeito, a festa acabou e coube aos integrantes do bloco levar o seu personagem mais ilustre até um riacho próximo para se lavar, em seguida embarcar na carroceria do caminhão e fazer o caminho de volta para casa.

Caros amigos, numa semana em que um terremoto no Japão fez a imprensa esquecer uma guerra na Líbia eu não posso esquecer Leo Bulhões, menino talentoso que esta semana faz aniversário. A todos uma ótima semana com prazer e alegria.

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra

domingo, 14 de abril de 2013

Pimenta na sopa dos outros é história


A Usina Apolônio Sales
é uma das componentes do complexo hidrelétrico de Paulo Afonso.

Colegas de todos os paladares

Numa dessas voltas que esse mundo dá, tive a oportunidade de trabalhar durante alguns poucos anos da minha vida na Companhia Hidro Elétrica do São Francisco - CHESF, empresa estatal responsável pela geração de energia para todos os estados do Nordeste, exceto o Maranhão. O meu ingresso se deu, como manda a legislação, através de concurso público e desse modo passei a compor o quadro dos Operadores de Instalação da companhia. Trata-se por Instalação, uma usina ou uma subestação e o trabalho de um Operador consiste em acompanhar o funcionamento dessas unidades e intervir sempre que necessário.

Nos tempos em que compus os quadros da CHESF trabalhei na Usina Apolônio Sales - UAS, usina localizada à margem esquerda do Rio São Francisco, no estado de Alagoas. A UAS contava, já naquela época, com um bom sistema de automação, no entanto fazia parte da rotina de trabalho dos operadores, a realização de inspeções constantes das suas instalações. Nestas ocasiões eu me sentia como se estivesse numa terra de gigantes, pois tudo era enorme. Havia pontos que, não importava quantas vezes eu inspecionasse, sempre me provocava admiração. Um desses locais era o chamado Poço da Turbina, lá o Operador ficava num local onde abaixo dele a força do rio girava a turbina e acima da sua cabeça girava um imenso gerador. Ligando uma peça a outra, um eixo vertical de diâmetro tão grande que um homem não conseguiria abraçá-lo. Os parafusos que uniam essas peças gigantescas tinham porcas tão grandes que um adulto não conseguiria segurar duas delas em uma única mão. O barulho era enorme e circulava um ar tão quente que mais parecia uma sauna.

O sistema de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica é algo simplesmente grandioso e, até hoje, considero que a oportunidade de ter feito parte deste todo, foi a satisfação de um antigo fascínio que alimentei desde os tempos de criança. Muitas vezes eu ficava admirado pelo fato de que o trabalho que eu executava lá no sertão da Bahia influenciava pessoas que estavam a milhares de quilômetros de distância. Naquele serviço, máquinas e pessoas tinham que trabalhar em perfeita sincronia e ninguém podia fazer nada sem que fizesse parte de uma manobra previamente estudada.

As recordações que guardo não são compostas, naturalmente, apenas pelas máquinas e grandes estruturas de concreto. O convívio com os colegas, tanto técnicos como engenheiros, me marcaram de tal maneira que precisaria escrever muitas Saudações para que eu pudesse registrar as boas lembranças que guardo até os dias de hoje. 

O quadro de pessoal lotado numa usina é basicamente dividido entre operadores e mantenedores. O pessoal de manutenção trabalha normalmente de segunda à sexta-feira no horário comercial, enquanto os operadores trabalham em regime de turno corrido de seis horas, revezando-se continuamente todos os dias do ano, ininterruptamente. Mas nem sempre foi assim, houve época em que os operadores trabalhavam num turno de 24 horas, até que, gradativamente, este sistema foi sendo alterado até chegar à configuração atual.

No tempo em que os turnos eram longos, de 24 ou 12 horas, a companhia fornecia as refeições para toda a equipe. Nos horários das refeições os Operadores se revezavam e, em duplas, iam se alimentar enquanto os outros tomavam conta do serviço. Nesta época trabalhou como operador um rapaz chamado Reginaldo Barros. Eu tive oportunidade de conhecê-lo socialmente, mas quando comecei a trabalhar na CHESF ele já estava aposentado. Reginaldo foi um bom operador e deixou boas lembranças, mas a sua característica mais marcante era o seu bom humor. O cara era um gozador nato, não perdia uma única oportunidade de pregar uma peça em alguém. Os colegas contavam que naquela época, à noite, era servida uma sopa. Certo dia, Reginaldo foi jantar e, sem que o parceiro percebesse, jogou pimenta em um prato. Em seguida, perguntou se poderia servir ao colega que, ingenuamente, aceitou. Com calma e "zelo" colocou a sopa no prato e ao terminar perguntou:

 - Você quer pimenta?

O coitado sem perceber nada respondeu que sim e Reginaldo colocou umas gotas do condimento, mexeu a sopa e passou o prato. Em seguida colocou sopa para ele próprio e também colocou algumas gotas da mesma pimenta. Quando começaram a comer o colega começou a sentir a boca queimando e disse:

 - Vixe Maria, que pimenta forte!

Romildo sem se abalar continuou a tomar a sopa e ainda colocou umas gotas de pimenta a mais. O colega já suando, a boca ardendo, vendo que o outro colocara mais pimenta só dizia:

 - Danou-se. O homem parece um sabiá.

Falava isso em alusão ao pássaro bastante encontrado no sertão e que tem o hábito de comer as frutinhas maduras das pimenteiras. Eu tenho a impressão que o sujeito tomou a sopa toda para mostrar que era durão, mas quando o mistério foi esclarecido todos deram boas risadas e as astúcias de Reginaldo entraram para a história.

Enquanto isso, nos dias atuais, uma notícia veiculada num telejornal do estado Caeté anunciou o impacto causado na capital pela presença da empresa de construção civil mais sexy do mundo. Vejam como a repórter anunciou a matéria:

 - "Boom da construção civil provoca falta de corretores de imóveis em Maceió".

Pois bem meus amigos, parece que neste carnaval as passistas de bundas e peitos turbinados enfrentaram uma séria concorrência. A todos, espero que tenham tido um bom feriado, que retornem às atividades do dia-a-dia sem ressaca e muitas felicitações às mulheres pelo seu dia.

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra

(Escrito em 08/03/2011)

Em 1950 Luiz Gonzaga foi convidado para animar a festa de inauguração da Usina Paulo Afonso I, após o show, pediram-lhe que compusesse uma música exaltando essa grande obra da engenharia nacional. Atendendo o pedido, Luiz compôs a música "Paulo Afonso" que segue aqui:


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Pontes, molas, corações e emoções



Colegas de todos os estados e de todos os estados de saúde.

Sabem aqueles dias em que parece que a bruxa está solta? Pois foi o que aconteceu lá em casa nas últimas semanas. Desde a última edição das Saudações Caetés, enquanto minha esposa fazia um cateterismo e em seguida uma angioplastia com a colocação de dois stents no coração, eu tive a experiência de conviver com uma pneumonia que me deixou quebrado que nem arroz de terceira. De imediato, quero deixar claro que estamos bem e eu já retornei ao meu trabalho normalmente.

Nos dias em que Eliane estava internada veio à minha memória um personagem que conheci há uns anos atrás em situação semelhante. Meu cunhado, seguindo uma tradição familiar, foi submetido a uma cirurgia de ponte de safena e nós o acompanhamos tentando prestar alguma assistência. Durante sua convalescença dividiu o quarto com um senhor, também com problemas cardíacos. Naquelas circunstâncias fomos puxando conversa uns com os outros e eu soube que o cidadão morava na cidade de Delmiro Gouveia, lá no sertão alagoano. Quando perguntei seu nome tive uma surpresa, pois eu já tinha ouvido falar dele por intermédio dos meus pais e Eliane já tinha trabalhado com um filho dele. Disse-lhe de quem eu era filho e ele imediatamente lembrou-se de meu pai, perguntou por ele e, a partir daí, a conversa passou a rolar solta.

Encontros como este são muito raros nas grandes cidades e, para algumas pessoas, isso é coisa de "província", empregando este termo para desqualificar os lugares onde isso acontece como se fosse um palavrão. No entanto, eu gosto muito desses encontros casuais. Naquela circunstância achei muito bom saber que tínhamos que compartilhar o espaço com pessoas que já eram conhecidas.

Seu Cantuária estava internado porque estava com a pressão arterial muito alta, se não me falha a memória sua pressão era 23 por 16. Eram valores tão altos que assombrava a todos nós, menos a ele próprio que não dava a mínima para o que estava acontecendo. Conversa vai, conversa vem, ele olhou para meu cunhado, disse que já tinha feito cirurgia semelhante e de forma muito despreocupada começou a contar como tinha sido a sua recuperação:

 - Eu já fiz essa mesma cirurgia que ele fez. Num se preocupe não que é besteira. Quando eu recebi alta do hospital o médico disse que eu não poderia dirigir e um filho meu foi me levar de carro até Delmiro, mas quando a gente chegou em Arapiraca eu peguei uma briga com ele, tomei a direção do carro e fui dirigindo eu mesmo. Com uma semana, mais ou menos, após minha chegada encontrei um primo meu, o "Urêia".

"Urêia" era serralheiro na cidade de Delmiro Gouveia e, nos tempos em que eu morava nas terras paulafonsinas o conheci como cliente da loja de meu pai, onde ele ia comprar materiais para a sua serralharia. Quando eu falei que conhecia o seu primo, Seu Cantuária se animou mais ainda com a conversa e então continuou:

 - Eu ia passando de moto quando "Urêia" me chamou.

 - Eita Cantuária! Domingo eu vou fazer uma buchada lá em casa e queria lhe convidar, mas você tá desse jeito... num vai poder ir.

 - O que? Num vou poder? Fique sabendo que eu vou sim e tem mais, vou comer da buchada sim sinhô. Eu sou homem pra perder uma buchada?

Apesar da preocupação com meu cunhado que estava com o peito todo costurado de um lado, eu não consegui deixar de rir com o relato desdenhoso de Seu Cantuária. Continuando sua história ele disse:

 - Com uns quinze dias que eu voltei a Delmiro eu tava era trabalhando que num sou homem de ficar parado.

 - O que o senhor faz? Perguntei.

 - Eu conserto caminhão.

Lá para as tantas eu perguntei por que ele estava internado novamente. Na minha pobre inocência, pensei que poderia levá-lo a refletir sobre a forma como conduzia sua própria vida.

 - Tô aqui por que meus filhos me trouxeram. Minha pressão tava alta, aí eu fui no médico e ele examinou. Perguntou um bocado de coisa, aí eu disse pra ele que deve ter sido porque eu tomei rum... Eu gosto mesmo é de tomar cachaça, mas, um dia desses, eu tomei rum e acho que foi isso me fez mal. Aí o médico perguntou se eu tinha tomado uma dose, aí eu disse pra ele que nada, eu tomei a garrafa quase toda, só sobrou tantinho assim.

Concluiu a narrativa gesticulando com a mão e, mostrando o polegar e o indicador, sugeriu o volume de bebida que ficara no fundo da garrafa.

De lá para cá meu cunhado recebeu alta e voltou às suas atividades normais. Quanto a Seu Cantuária, nunca mais tive notícias dele, mas de uma coisa eu tenho certeza, onde quer que ele esteja seu espontâneo será sempre sua marca registrada.

Caros colegas, por entender que pontes e molas são coisas boas somente na área da engenharia, desejo que todos reservem seus corações apenas para as boas emoções. Uma boa semana para todos.

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra.


(Escrito em 23/02/2011)
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