Santana do Ipanema - 1966
Colegas de todas as sobremesas
O que significa para cada um de vocês a palavra Maringá? Se eu perguntasse para alguém com idade de ser meu pai, muito provavelmente, ouviria citações à música do médico mineiro, natural de Uberaba, Joubert de Carvalho, composta em 1932. Se eu perguntasse a Carlos Weigert, engenheiro paranaense hoje morando em terras caetés, ou a Rommel Vanderley, engenheiro caeté hoje morando em terras paranaenses, com certeza ouviria que Maringá é uma cidade do noroeste do Paraná. Quantas alternativas são possíveis para esta pergunta eu não sei, mas podem ficar certos todos vocês, Maringá, para mim, é o nome de uma sorveteria que havia em Santana do Ipanema nos tempos que eu era menino.
Diante das sorveterias que temos atualmente, acredito que eu teria certa dificuldade em explicar para alguém, com menos de 30 anos de idade, como funcionava um desses estabelecimentos nos idos da década de 60 e 70. Se o exemplo tomado vier lá das bandas do sertão, aí então a dificuldade passa a ser dobrada. Hoje em dia a gente chega numa sorveteria "selfi sérvice", escolhe se vai usar copinho ou casquinha, empunha aquela colher especial, abre os freezers e tem tanta opção de sabor de sorvete para escolher que às vezes dá até agonia. Atualmente, uma boa sorveteria da capital alagoana ostenta com orgulho um cardápio com mais de 70 sabores, um verdadeiro tormento para os indecisos. Depois de montado o sorvete, o indivíduo passa por uma bateria de opções de coberturas que vai desde farelo de biscoito até chocolate quente. Para completar o trajeto, uma parada obrigatória na estação balança que quantifica na hora o dano feito tanto no orçamento quanto na dieta.
No tempo em que eu usava calças curtas e tinha a cabeça raspada sobrando apenas um tufo de cabelo na testa o negócio era bem diferente. No centro de Santana do Ipanema, bem de frente à praça, havia um prédio com um salão grande. No alto da sua fachada, pintado na parede estava escrito: SORVETERIA MARINGÁ. Porém, o produto mais vendido da casa era mesmo o picolé. Quando eu pegava um trocado entrava na Maringá, me dirigia a um balcão mais alto do que eu e fazia a tradicional pergunta:
- Tem picolé de que?
O atendente dizia de cor todas as opções daquele dia, ficando bem claro que este número dificilmente ultrapassava a cifra de meia dúzia de sabores. Considerando-se que coco, morango e chocolate nunca saiam do cardápio verbal as demais opções não se constituíam em qualquer empecilho ao processo decisório. O picolé era um produto muito barato e custava apenas alguns centavos. Já o sorvete, além de ser um pouco mais caro, o seu consumo, para mim, era um pouco mais complicado, pois papai nos proibia de comer a casquinha, alegando que aquilo era sujo. Sujo para se comer, mas não era sujo para conter o sorvete que se comia. Dá para entender? Conhecendo a qualidade das casquinhas de hoje faz vergonha admitir que eu comia as similares daquela época, pois além de não terem gosto de nada a consistência era bem parecida com papel, mas não importava, quando o dinheiro dava e eu podia comer escondido...
Apesar da Sorveteria Maringá ser muito bem localizada, acredito que a maior parte das vendas se dava através de meninos que vendiam os picolés, subindo e descendo as ladeiras de Santana gritando todos, prestem bem atenção, todos gritando a mesma coisa:
- "ÓÓÓÓi o picolé fri, gelado e doce e gostoso e saboroso que dá gosto na ponta da língua. Olha aêêêê. Picoléééé da Maringáááá olha aêêêê."
Gente, os anos se passavam e os vendedores mirins não mudavam o grito do picolé em uma vírgula sequer. A única inovação que tive oportunidade de presenciar no mercado foi quando surgiu uma nova sorveteria.
Jonas Guedes já era comerciante na cidade, era um cara brincalhão e gostava de tirar onda com todo mundo. Certo dia, não sei porque, resolveu abrir uma outra sorveteria também no centro da cidade. Comprou maquinário, conseguiu um ponto e no dia em que foi abrir o letreiro com o nome do estabelecimento eu estava passando pela rua e fiquei parado admirando o trabalho do letrista. O sujeito começou a riscar as letras e surgiu a palavra SORVETERIA. Em seguida o "artista" sacou do pincel e preencheu as letras, deu todo o acabamento e tornou bem visível a primeira palavra que identificava o produto oferecido pela casa. Ou seja, picolé. Em seguida começou a abrir as outras letras e no início surgiu a letra "A", em seguida a letra "L", continuando o trabalho surgiu os contornos da letra "P". Aí então o "artista" parou, quando percebeu que a parede estava no fim e que, se ele continuasse o trabalho, iria pintar a parede do vizinho. Ou o sujeito errou os cálculos ou não sabia calcular, o certo é que a maior parte do serviço já estava pronto e não tinha como remendar. A cagada foi tão grande que, qualquer que fosse a solução, seria necessário refazer todo o trabalho com sérios prejuízos tanto para Jota Guedes como para o pintor. Apesar de ter tido a honra de ser testemunha ocular desse "fato histórico" eu, apenas uma criança, não tive acesso aos termos do acordo entre Jonas e o pintor. Só sei que o coitado subiu novamente na escada e com muito jeito conseguiu abrir uma letra "I" bem no canto da parede sem invadir o espaço aéreo do vizinho. O nome que deveria estar escrito era "SORVETERIA ALPES", mas, desse dia em diante, quando passava um menino vendendo picolé com uma caixa de isopor pendurada no ombro, gritando, às vezes o script era assim:
- "ÓÓÓÓi o picolé fri, gelado e doce e gostoso e saboroso que dá gosto na ponta da língua. Olha aêêêê. Picoléééé da Alpíííí olha aêêêê."
E assim colegas, desejo a todos um a boa semana e espero que no próximo final de semana aproveitem para tomar um bom sorvete, com calda, cobertura e uma boa companhia.
Saúde, luz e paz
Virgílio Agra
O que significa para cada um de vocês a palavra Maringá? Se eu perguntasse para alguém com idade de ser meu pai, muito provavelmente, ouviria citações à música do médico mineiro, natural de Uberaba, Joubert de Carvalho, composta em 1932. Se eu perguntasse a Carlos Weigert, engenheiro paranaense hoje morando em terras caetés, ou a Rommel Vanderley, engenheiro caeté hoje morando em terras paranaenses, com certeza ouviria que Maringá é uma cidade do noroeste do Paraná. Quantas alternativas são possíveis para esta pergunta eu não sei, mas podem ficar certos todos vocês, Maringá, para mim, é o nome de uma sorveteria que havia em Santana do Ipanema nos tempos que eu era menino.
Diante das sorveterias que temos atualmente, acredito que eu teria certa dificuldade em explicar para alguém, com menos de 30 anos de idade, como funcionava um desses estabelecimentos nos idos da década de 60 e 70. Se o exemplo tomado vier lá das bandas do sertão, aí então a dificuldade passa a ser dobrada. Hoje em dia a gente chega numa sorveteria "selfi sérvice", escolhe se vai usar copinho ou casquinha, empunha aquela colher especial, abre os freezers e tem tanta opção de sabor de sorvete para escolher que às vezes dá até agonia. Atualmente, uma boa sorveteria da capital alagoana ostenta com orgulho um cardápio com mais de 70 sabores, um verdadeiro tormento para os indecisos. Depois de montado o sorvete, o indivíduo passa por uma bateria de opções de coberturas que vai desde farelo de biscoito até chocolate quente. Para completar o trajeto, uma parada obrigatória na estação balança que quantifica na hora o dano feito tanto no orçamento quanto na dieta.
No tempo em que eu usava calças curtas e tinha a cabeça raspada sobrando apenas um tufo de cabelo na testa o negócio era bem diferente. No centro de Santana do Ipanema, bem de frente à praça, havia um prédio com um salão grande. No alto da sua fachada, pintado na parede estava escrito: SORVETERIA MARINGÁ. Porém, o produto mais vendido da casa era mesmo o picolé. Quando eu pegava um trocado entrava na Maringá, me dirigia a um balcão mais alto do que eu e fazia a tradicional pergunta:
- Tem picolé de que?
O atendente dizia de cor todas as opções daquele dia, ficando bem claro que este número dificilmente ultrapassava a cifra de meia dúzia de sabores. Considerando-se que coco, morango e chocolate nunca saiam do cardápio verbal as demais opções não se constituíam em qualquer empecilho ao processo decisório. O picolé era um produto muito barato e custava apenas alguns centavos. Já o sorvete, além de ser um pouco mais caro, o seu consumo, para mim, era um pouco mais complicado, pois papai nos proibia de comer a casquinha, alegando que aquilo era sujo. Sujo para se comer, mas não era sujo para conter o sorvete que se comia. Dá para entender? Conhecendo a qualidade das casquinhas de hoje faz vergonha admitir que eu comia as similares daquela época, pois além de não terem gosto de nada a consistência era bem parecida com papel, mas não importava, quando o dinheiro dava e eu podia comer escondido...
Apesar da Sorveteria Maringá ser muito bem localizada, acredito que a maior parte das vendas se dava através de meninos que vendiam os picolés, subindo e descendo as ladeiras de Santana gritando todos, prestem bem atenção, todos gritando a mesma coisa:
- "ÓÓÓÓi o picolé fri, gelado e doce e gostoso e saboroso que dá gosto na ponta da língua. Olha aêêêê. Picoléééé da Maringáááá olha aêêêê."
Gente, os anos se passavam e os vendedores mirins não mudavam o grito do picolé em uma vírgula sequer. A única inovação que tive oportunidade de presenciar no mercado foi quando surgiu uma nova sorveteria.
Jonas Guedes já era comerciante na cidade, era um cara brincalhão e gostava de tirar onda com todo mundo. Certo dia, não sei porque, resolveu abrir uma outra sorveteria também no centro da cidade. Comprou maquinário, conseguiu um ponto e no dia em que foi abrir o letreiro com o nome do estabelecimento eu estava passando pela rua e fiquei parado admirando o trabalho do letrista. O sujeito começou a riscar as letras e surgiu a palavra SORVETERIA. Em seguida o "artista" sacou do pincel e preencheu as letras, deu todo o acabamento e tornou bem visível a primeira palavra que identificava o produto oferecido pela casa. Ou seja, picolé. Em seguida começou a abrir as outras letras e no início surgiu a letra "A", em seguida a letra "L", continuando o trabalho surgiu os contornos da letra "P". Aí então o "artista" parou, quando percebeu que a parede estava no fim e que, se ele continuasse o trabalho, iria pintar a parede do vizinho. Ou o sujeito errou os cálculos ou não sabia calcular, o certo é que a maior parte do serviço já estava pronto e não tinha como remendar. A cagada foi tão grande que, qualquer que fosse a solução, seria necessário refazer todo o trabalho com sérios prejuízos tanto para Jota Guedes como para o pintor. Apesar de ter tido a honra de ser testemunha ocular desse "fato histórico" eu, apenas uma criança, não tive acesso aos termos do acordo entre Jonas e o pintor. Só sei que o coitado subiu novamente na escada e com muito jeito conseguiu abrir uma letra "I" bem no canto da parede sem invadir o espaço aéreo do vizinho. O nome que deveria estar escrito era "SORVETERIA ALPES", mas, desse dia em diante, quando passava um menino vendendo picolé com uma caixa de isopor pendurada no ombro, gritando, às vezes o script era assim:
- "ÓÓÓÓi o picolé fri, gelado e doce e gostoso e saboroso que dá gosto na ponta da língua. Olha aêêêê. Picoléééé da Alpíííí olha aêêêê."
E assim colegas, desejo a todos um a boa semana e espero que no próximo final de semana aproveitem para tomar um bom sorvete, com calda, cobertura e uma boa companhia.
Saúde, luz e paz
Virgílio Agra
(escrito em 10/01/2011)
2 comentários:
Amigo Virgílio,
Belo causo. "Grande ZUZA FOQUETEIRO". Parabéns e que continues a contar as suas histórias, que na verdade é pedacinho da história da nossa terra.
Luiz Euclides.
Valeu, grande Luiz. Saudades dos nossos tempos de criança.
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