Colegas de todas as origens
No início deste mês de dezembro, fiz uma breve incursão à
capital pernambucana, cidade onde vivi dos dez aos vinte anos de idade. Fui
encontrar os antigos colegas do Colégio Nóbrega, escola onde estudei durante
sete anos. A visita às terras do Leão do Norte é
sempre uma oportunidade de interagir tanto com as
pessoas, amigos que lá deixei, quanto com a própria cidade. É uma oportunidade
de observar e desfrutar das transformações pelas quais passamos, nós e a
cidade, sem nunca perder, felizmente, as nossas identidades.
Já tive oportunidade de falar aqui nas Saudações Caetés sobre as
impressões que tive quando cheguei ao Recife, ainda menino. Naquela época, uma
das coisas que mais chamava a minha atenção eram os
letreiros de neon instalados nas fachadas dos prédios. À noite, no centro
da cidade, os prédios localizados na beira do Rio Capibaribe lançavam suas
luzes coloridas sobre suas águas, multiplicando as cores e marcando minha
memória até os dias de hoje. Com o passar dos anos tive ótimas oportunidades de
conhecer a Veneza Brasileira tanto pela terra quanto pela água. Como timoneiro
da equipe de remo do Sport Clube do Recife, naveguei não apenas pelo eixo
principal do Capibaribe, do qual conhecia as curvas e bancos de areia, como
também tive oportunidade de conhecer afluentes, mangues e canais. Naquele
estuário, formado por vários rios, algumas vezes chegávamos ao ponto de nos
conduzirmos de um rio para outro através de um emaranhado de
canais, navegáveis apenas com a maré cheia. Ao longo do tempo em que lá
vivi, tive a oportunidade de ver as obras de dragagem e retificação do leito do
Capibaribe que contribuíram para livrar Recife das suas frequentes
enchentes. Vi pontes serem demolidas, outras sendo construídas.
Hoje, como um simples visitante, falar das alterações pelas quais passou
Recife ao longo dos anos é uma tarefa extensa e até cansativa, mas
uma transformação que não apenas me impressiona como também me
encanta naquela cidade é a recuperação da parte antiga da cidade, na área
do cais do porto. No meu tempo, o bairro do Recife Velho era
conhecido pelos seus prostíbulos. Ao atravessarmos a ponte Maurício de
Nassau, o prédio que abrigava o "Chantecler" impressionava pelas suas
características arquitetônicas enquanto que, mais adiante, o "Black
Tie" chamava a atenção pelo seu grande letreiro. Hoje a coisa mudou, os
prostíbulos foram fechados, lá na beira do cais a Praça do Marco Zero
virou ponto turístico, a Rua do Bom Jesus deixou de ser endereço de pensões
baratas e tornou-se um ponto de encontro agradável muito bem frequentado. As
mudanças foram tantas que até o bairro deixou de ser Velho para receber o
título de Antigo.
Foi nessa cidade de cultura efervescente onde comecei a sentir a força
das minhas raízes culturais do sertão nordestino. Lembro-me de uma noite, quando
já cursava a universidade, saímos, eu e meu primo Alberto, para nos
encontramos com uns colegas no Bar Canal, lá na Avenida Agamenon
Magalhães. Uma noitada repleta de muita conversa jogada fora e cerveja de
goela a dentro que poderia ser uma entre tantas se não fosse o fato de sermos
todos do interior de diversas cidades do sertão. Lembro-me bem que estávamos à
mesma mesa estudantes de Alagoas, de Pernambuco e da Paraíba. A conversa
rolava solta com cada um de nós contando causos e usando sem a menor
cerimônia um linguajar que era comum a todos. Mas o que me chamou a atenção
naquela ocasião não foi apenas o falar, mas sim todos os referenciais
culturais daqueles rapazes que, apesar de serem de diversos estados, mantinham
uma unidade bem clara nos seus valores.
Hoje, visitar as terras mamelucas do Leão do Norte, percorrer suas
ruas e pontes e reencontrar velhos amigos do tempo do
colégio é uma tarefa que me dá um profundo e irrecusável prazer. É
gostoso apreciar a cidade fazendo uma gostosa comparação entre o passado e o
presente, andar à noite pelo Marco Zero, pela Rua do Bom Jesus e chegar até a
antiga Alfândega. A cidade, como se fosse um ser vivo mudou, como uma lagarta
que se transforma em borboleta. Da mesma maneira, nós também passamos por
transformações, uns quilos aqui, uma cor de cabelo ali... Sobre os aspectos
físicos é melhor não comentar, porque o prazer é sentir que apesar
das mudanças que fisicamente experimentamos, tanto pessoas
como cidades, trazemos uma essência que permanece, pois é inerente
à cultura de cada um e isso é o que une as pessoas entre si e estas às
cidades.
No mesmo dia em que, às margens do Capibaribe, eu confraternizava
com os velhos amigos de colégio, lá na beira da Cachoeira de Paulo Afonso,
estava se formando a primeira turma do curso de Direito do Campus VIII da
Universidade do Estado da Bahia. Como só soube da notícia duas semanas
depois, só agora posso cumprimentar os meus ex-colegas de curso. Enquanto
isso, deslizando mansamente, o Capibaribe continua se encontrando com o
Beberibe, para juntos formarem o mar.
A todos os meus amigos uma boa semana e um bom natal.
Saúde, luz e paz
Virgílio Agra
(Escrito em
21/12/2010)
Falando sobre os lugares de Recife, lembro sempre de Alceu Valença, grande artista que exalta sua terra e encanta multidões. Uma de suas músicas por mim preferidas é, coincidentemente, "Pelas ruas que andei" aqui interpretada por músicos que representam uma nova geração da música popular brasileira, Nós4.
Falando sobre os lugares de Recife, lembro sempre de Alceu Valença, grande artista que exalta sua terra e encanta multidões. Uma de suas músicas por mim preferidas é, coincidentemente, "Pelas ruas que andei" aqui interpretada por músicos que representam uma nova geração da música popular brasileira, Nós4.
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