Araticum (esquerda) e Pinha (direita)
(escrito
em 11/08/2009)
Colegas
de todos os medicamentos.
A farmacopeia
brasileira deveria ser considerada um elemento componente da cultura nacional. Graças
à diversidade da nossa flora, a indústria farmacêutica produz uma variedade
enorme de produtos baseando-se na capacidade curativa de plantas que já era
conhecida pela cultura popular. Muitas dessas plantas eram cultivadas nos
quintais das nossas avós e passaram a receber denominações que variavam de
acordo com a região em que se situavam. Um grande exemplo dessa variedade e
mistura de nomenclatura é a Pinha. Fruta bastante apreciada no sertão
nordestino, também é denominada de Fruta-do-conde e Ata. Por sua vez, o
Araticum, planta típica do cerrado, mas que também ocorre em menor proporção no
sertão, recebe, da mesma maneira, a denominação de Fruta-do-conde, Ata,
Marolinho e Cabeça-de-negro e foi baseando-se exatamente em alguns princípios
ativos do Araticum que certa empresa começou a produzir um medicamento batizando-o
de “Elixir Cabeça-de- negro”.
No último
final de semana "dei uma chegadinha" ao sertão de Paulo Afonso, onde
fui resolver uns assuntos e dar um abraço no meu velho pai. Dando uma volta
pelo comércio, passei em frente à Farmácia do Peu e me lembrei de uma história
que ouvi do seu proprietário.
Quando fui morar em Paulo Afonso, a mais de vinte anos atrás, conheci Peu como balconista numa rede de farmácias local. Ele é afrodescendente, mas me limitar a descrevê-lo apenas pela denominação “politicamente correta” da cor da sua pele, seria superficial e inquestionavelmente impreciso. Sempre me chamou a atenção o corte impecável do seu cabelo que ele mantinha com muito zelo. Sujeito alto, com mais de um metro e oitenta de altura, é muito elegante, não apenas pela sua postura física, mas também pelo jeito de falar, sempre em tom baixo, com uma voz calma e um sorriso que conquista todo mundo. A sua simpatia é tamanha que encontrar alguém que não lhe tenha uma palavra de elogio é tarefa incluída no rol das missões impossíveis. Além de atender no balcão, aprendeu a fazer curativos e tornou-se também um exímio aplicador de injeção, de modo que cheguei a conhecer pessoas que se referiam a ele como "Dr. Peu". Com muito trabalho e todas essas qualidades, hoje é dono do seu próprio negócio e tem uma clientela que com certeza não abre mão nem do seu atendimento, nem do seu sorriso. Mas vamos à tal história.
Peu me contou que um dia estava sozinho no balcão da farmácia e entrou um matuto (termo usado para designar aquele que vive na zona rural, na roça, no mato, portanto, matuto). Ao prontificar-se para atendê-lo, o cliente titubeou e todo encabulado falou:
- Eu quero...
E não terminou o que queria dizer.
Peu, com aquela calma dele, olhou para o homem e disse:
- Pois não Senhor? Pode falar que eu atendo.
O cabra olhou para um lado e para o outro, olhou para o fundo da farmácia como se esperasse surgir alguém e todo envergonhado falou:
- Eu queria...
E não concluiu. O sujeito "tava" parecendo mulher quando ia comprar Modess. Naquele tempo, uma mulher só comprava absorvente numa farmácia que tivesse outra mulher para atender e a vendedora teria que ter o cuidado de já trazer o produto embalado em papel de embrulho, para não chamar a atenção dos demais presentes.
- Pode pedir Senhor. Não se acanhe, não.
O sujeito olhou mais uma vez para o fundo da farmácia e chegando a conclusão que não havia outra pessoa para atendê-lo, respirou fundo, coçou a cabeça e todo encabulado olhou para Peu e disse:
- Eu queria... "Cabeça de Vosmecê".
Pois bem colegas, enquanto isso, num "certo país emergente" onde faltam escolas e creches, crianças são esmagadas por tratores enquanto dormem num lixão e parlamentares se digladiam dizendo e fazendo o que bem querem sem o menor escrúpulo. Parece até que, vergonha daquilo que diz, ou daquilo que pede, só quem tem mesmo... é um pobre matuto.
Mas nem tudo está perdido, o prefeito da capital do Paraíso das Águas já anunciou que vai cercar e iluminar o lixão da cidade. Que se faça... a luz.
Aproveitando a oportunidade da homenagem aos pais, ao meu em particular, mando um abraço ao carioca e caeté honorário Leandro Neves, que viveu no último final de semana o seu primeiro Dia dos Pais. Uma ótima semana para todos e todas.
Saúde e paz.
Virgílio Agra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário