domingo, 17 de março de 2013

Nem só poluição e notícia ruim são capazes de cruzar fronteiras


Playing For Change

Colegas de todos os sentimentos

Esta última semana foi, acredito que para todos nós, um tanto quanto pesada. Parecia uma semana qualquer, daquelas onde temos que cumprir os compromissos habituais como trabalhar, comprar mantimentos no supermercado e ficar aguardando o final de semana para um merecido repouso. Mas, infelizmente, o desenrolar da história não foi exatamente assim. Ao longo da semana as montanhas desmoronaram e as notícias que chegaram das terras fluminenses não foram nada agradáveis.

Lembro-me que, há um ano, o país assistia estarrecido o resultado funesto das chuvas que caíram no estado do Rio de Janeiro provocando, entre outros eventos, desmoronamentos em Angra dos Reis e Morro do Bumba em Niterói, resultando em centenas de mortos em todo o estado. Há seis, meses foi a vez dos estados de Alagoas e Pernambuco ocuparem a atenção da imprensa nacional, quando as enchentes provocadas por alguns rios dos dois estados arrasaram várias cidades. Por sorte o número de mortos não foi tão grande, pois a tragédia ocorreu durante o dia, o que permitiu aos moradores das regiões ribeirinhas fugirem diante do perigo.

Em outras épocas a televisão mostrou tsunamis na Indonésia, mineiros soterrados no Chile, ondas de calor na Europa e mais recentemente inundações na Austrália, lá do outro lado do mundo. Porque será que esses eventos mexem tanto comigo? Talvez seja porque estou ficando velho (e besta naturalmente), talvez porque tenho parentes e amigos em terras d'além mar. Não sei o motivo, mas eu sei que todas as pessoas atingidas pelas forças da natureza têm uma história, têm amigos, têm sentimentos, sonhos para o futuro, alguém esperando em algum lugar. É triste pensar em eventos que, de uma vez só, tiram a vida de muitas pessoas e até de famílias inteiras.

Normalmente, me dirijo a vocês através das Saudações Caetés com histórias pitorescas e às vezes até engraçadas, tentando influenciar positivamente o humor de cada um, pois é isso que me cabe na condição de colega, de companheiro. Mas, desde os últimos dias da última semana, não consigo parar de pensar nos amigos que deixei nas terras fluminenses, pois alguns moram em cidades que foram atingidas pelos desmoronamentos ou têm parentes que lá residem. Lembro-me que, quando as enchentes ocorreram nas terras caetés, recebi vários e-mails e telefonemas de amigos preocupados comigo e meus familiares. É bom saber que tenho pessoas que se preocupam comigo e agradeço a Deus por ter também com quem me preocupar. Mas confesso que a frequência com que esses eventos estão acontecendo me deixam triste, porque a distância ou o tempo que nos separam eu sei administrar, mas o medo de perdê-los não, e, exatamente por causa do carinho que tenho a todos vocês, eu gostaria de puxar a conversa para uma nuance menos funesta do assunto do momento da grande imprensa nacional, afinal de contas, além de poluição e notícia ruim, existe um monte de outras coisas que, felizmente, cruza fronteiras.

Um dia fui presenteado pelo meu compadre Evaldo com um link para um clipe do "iutube", onde tocava uma música composta pelo americano Ben E King. Uma equipe de técnicos de vídeo e áudio gravou diversos artistas de rua de várias línguas, raças e culturas, em dez países diferentes, cantando essa música composta no inicio dos anos 60. Em seguida todas as gravações foram reunidas num único arranjo que encanta não apenas pela beleza da melodia, mas também pelo fato de mostrar que a arte, a beleza e a emoção são capazes de sobrepujar não apenas a barreira do tempo, mas também a da distância, da política, do preconceito e da discriminação. Ademais, a música aborda um tema bastante pertinente às circunstâncias do momento, a força que obtemos uns dos outros. Eu, como profundo apreciador da cultura popular, fiquei encantado, por isso encaminho para vocês logo abaixo, o maravilhoso clipe do Grupo Playing for Change com a bela tradução de Brunno Belesa.

Aproveitando a oportunidade para registrar um forte abraço à minha esposa Eliane e minha irmã Mônica, desejo uma semana com boas notícias para todos.

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra

(Escrito em 16/01/2011)


segunda-feira, 4 de março de 2013

Picolé, frio, gelado e doce



Santana do Ipanema - 1966


Colegas de todas as sobremesas

O que significa para cada um de vocês a palavra Maringá? Se eu perguntasse para alguém com idade de ser meu pai, muito provavelmente, ouviria citações à música do médico mineiro, natural de Uberaba, Joubert de Carvalho, composta em 1932. Se eu perguntasse a Carlos Weigert, engenheiro paranaense hoje morando em terras caetés, ou a Rommel Vanderley, engenheiro caeté hoje morando em terras paranaenses, com certeza ouviria que Maringá é uma cidade do noroeste do Paraná. Quantas alternativas são possíveis para esta pergunta eu não sei, mas podem ficar certos todos vocês, Maringá, para mim, é o nome de uma sorveteria que havia em Santana do Ipanema nos tempos que eu era menino.

Diante das sorveterias que temos atualmente, acredito que eu teria certa dificuldade em explicar para alguém, com menos de 30 anos de idade, como funcionava um desses estabelecimentos nos idos da década de 60 e 70. Se o exemplo tomado vier lá das bandas do sertão, aí então a dificuldade passa a ser dobrada. Hoje em dia a gente chega numa sorveteria "selfi sérvice", escolhe se vai usar copinho ou casquinha, empunha aquela colher especial, abre os freezers e tem tanta opção de sabor de sorvete para escolher que às vezes dá até agonia. Atualmente, uma boa sorveteria da capital alagoana ostenta com orgulho um cardápio com mais de 70 sabores, um verdadeiro tormento para os indecisos. Depois de montado o sorvete, o indivíduo passa por uma bateria de opções de coberturas que vai desde farelo de biscoito até chocolate quente. Para completar o trajeto, uma parada obrigatória na estação balança que quantifica na hora o dano feito tanto no orçamento quanto na dieta.

No tempo em que eu usava calças curtas e tinha a cabeça raspada sobrando apenas um tufo de cabelo na testa o negócio era bem diferente. No centro de Santana do Ipanema, bem de frente à praça, havia um prédio com um salão grande. No alto da sua fachada, pintado na parede estava escrito: SORVETERIA MARINGÁ. Porém, o produto mais vendido da casa era mesmo o picolé. Quando eu pegava um trocado entrava na Maringá, me dirigia a um balcão mais alto do que eu e fazia a tradicional pergunta:

 - Tem picolé de que?

O atendente dizia de cor todas as opções daquele dia, ficando bem claro que este número dificilmente ultrapassava a cifra de meia dúzia de sabores. Considerando-se que coco, morango e chocolate nunca saiam do cardápio verbal as demais opções não se constituíam em qualquer empecilho ao processo decisório. O picolé era um produto muito barato e custava apenas alguns centavos. Já o sorvete, além de ser um pouco mais caro, o seu consumo, para mim, era um pouco mais complicado, pois papai nos proibia de comer a casquinha, alegando que aquilo era sujo. Sujo para se comer, mas não era sujo para conter o sorvete que se comia. Dá para entender? Conhecendo a qualidade das casquinhas de hoje faz vergonha admitir que eu comia as similares daquela época, pois além de não terem gosto de nada a consistência era bem parecida com papel, mas não importava, quando o dinheiro dava e eu podia comer escondido...

Apesar da Sorveteria Maringá ser muito bem localizada, acredito que a maior parte das vendas se dava através de meninos que vendiam os picolés, subindo e descendo as ladeiras de Santana gritando todos, prestem bem atenção, todos gritando a mesma coisa:

 - "ÓÓÓÓi o picolé fri, gelado e doce e gostoso e saboroso que dá gosto na ponta da língua. Olha aêêêê. Picoléééé da Maringáááá olha aêêêê."

Gente, os anos se passavam e os vendedores mirins não mudavam o grito do picolé em uma vírgula sequer. A única inovação que tive oportunidade de presenciar no mercado foi quando surgiu uma nova sorveteria.

Jonas Guedes já era comerciante na cidade, era um cara brincalhão e gostava de tirar onda com todo mundo. Certo dia, não sei porque, resolveu abrir uma outra sorveteria também no centro da cidade. Comprou maquinário, conseguiu um ponto e no dia em que foi abrir o letreiro com o nome do estabelecimento eu estava passando pela rua e fiquei parado admirando o trabalho do letrista. O sujeito começou a riscar as letras e surgiu a palavra SORVETERIA. Em seguida o "artista" sacou do pincel e preencheu as letras, deu todo o acabamento e tornou bem visível a primeira palavra que identificava o produto oferecido pela casa. Ou seja, picolé. Em seguida começou a abrir as outras letras e no início surgiu a letra "A", em seguida a letra "L", continuando o trabalho surgiu os contornos da letra "P". Aí então o "artista" parou, quando percebeu que a parede estava no fim e que, se ele continuasse o trabalho, iria pintar a parede do vizinho. Ou o sujeito errou os cálculos ou não sabia calcular, o certo é que a maior parte do serviço já estava pronto e não tinha como remendar. A cagada foi tão grande que, qualquer que fosse a solução, seria necessário refazer todo o trabalho com sérios prejuízos tanto para Jota Guedes como para o pintor. Apesar de ter tido a honra de ser testemunha ocular desse "fato histórico" eu, apenas uma criança, não tive acesso aos termos do acordo entre Jonas e o pintor. Só sei que o coitado subiu novamente na escada e com muito jeito conseguiu abrir uma letra "I" bem no canto da parede sem invadir o espaço aéreo do vizinho. O nome que deveria estar escrito era "SORVETERIA ALPES", mas, desse dia em diante, quando passava um menino vendendo picolé com uma caixa de isopor pendurada no ombro, gritando, às vezes o script era assim:

 - "ÓÓÓÓi o picolé fri, gelado e doce e gostoso e saboroso que dá gosto na ponta da língua. Olha aêêêê. Picoléééé da Alpíííí olha aêêêê."

E assim colegas, desejo a todos um a boa semana e espero que no próximo final de semana aproveitem para tomar um bom sorvete, com calda, cobertura e uma boa companhia.

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra

(escrito em 10/01/2011)
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