(Escrito em 09/02/2009)
Colegas de todos os níveis tecnológicos.
Imaginem vocês, se um dia aparecesse alguém anunciando que inventou um sistema no qual, o produto resultante da queima da gasolina nos motores dos automóveis poderia ser armazenado e usado novamente para abastecer outros veículos. Como poderia a gasolina queimar e depois queimar de novo? Qual seria a sua reação?
Imaginem agora como era a vida no sertão nordestino nos meados do século passado, numa época em que as viagens eram feitas a pé ou a cavalo, as cargas eram transportadas em carros de bois ou em tropas de burros e conduzidas por almocreves (tropeiros) por estradas que hoje seriam classificadas, nada mais nada menos, como simples trilhas. Nas poucas linhas férreas existentes, o transporte cabia às Marias-Fumaça alimentadas a lenha e água. Os produtos que chegavam de fora desse mundo à parte limitavam-se àqueles que não podiam ser produzidos na região, como tecidos finos, querosene, sal e alguns poucos mais. As pessoas viviam com aquilo que a terra podia produzir e na mesa das gentes da caatinga costumava-se dizer:
- A única coisa comprada na minha mesa é o sal.
Pois o feijão, a farinha e o milho; o leite, o queijo, a coalhada e a manteiga; a carne e os ovos; a macaxeira, a batata e o inhame; o café e a rapadura para adoçar eram todos produzidos no lugar. As famílias mais pobres cozinhavam num fogão de "trempe", onde três pedras grandes apoiavam uma panela de barro, deixando um espaço para colocar a lenha por baixo. Nas casas das famílias mais abastadas, onde, além das panelas de barro, havia as panelas de ferro ou de cobre, havia um fogão feito de barro onde, da lenha queimada, só sobravam cinzas e brasas.
Cozinhar num fogão de lenha pode ser muito romântico, mas não é nada fácil. A lenha precisa ser rachada para caber nas bocas dos fogões, na época do inverno a umidade e o frio tornam difícil a sua queima e, para completar, produzem muita fumaça que arde nos olhos e torna a cozinha um lugar bastante insalubre.
Manter o fogo acesso naquela época era um trabalho sem fim. Uma caixa de fósforos era artigo de luxo. Caso o fogo apagasse, alguém precisaria ir à casa de um vizinho para buscar brasas, às vezes caminhando longas distâncias. O mensageiro tinha que ir e voltar rápido, para que a comida pudesse ser preparada. Não é a toa que, até hoje, costuma-se dizer que um visitante que entrou e saiu rapidamente "veio buscar fogo".
Foi num cenário como este que por volta dos anos 50, talvez 60, lá para aquelas bandas, chegaram uns homens do governo dizendo que iriam ensinar ao povo um jeito de como a lenha poderia render mais, ocupar menos espaço e produzir menos fumaça. Eles estavam tratando da produção do carvão vegetal. Tratava-se então de um grande avanço tecnológico para a época e o lugar. Porém, quando explicaram que para produzir o carvão, a lenha deveria ser colocada em um forno onde em seguida seria ateado fogo, a descrença foi geral. A grande pergunta era:
- Como pode a lenha queimar e depois queimar de novo?
A experiência deu certo e, sob certos aspectos, houve uma melhora na qualidade de vida do homem do campo.
À semana passada, conversando com um colega de trabalho e também conterrâneo meu, o mesmo contou que um seu tio mora numa fazenda em pleno sertão alagoano usufruindo de energia elétrica, TV, telefonia celular e internet. Com certeza grandes conquistas tecnológicas do nosso tempo e todas acessíveis naquele lugar.
Naquela conversa com o colega veio à memória a imagem da minha avó. Vovó Lindalva nasceu no início do século passado. Apesar de ter tido os olhos ardidos na fumaça do fogão de lenha, pôde viver o bastante para ver televisão e conhecer uma série de avanços tecnológicos do final do século passado. Apesar dela afirmar com muita segurança que o mundo não alcançaria o ano 2000, pôde assistir a passagem do século e só partiu para outra dimensão três anos depois. Lembrei-me do tempo em que ela fazia uns bolinhos de milho fritos no óleo e depois polvilhados com açúcar e canela que a gente adorava e chamava de “Bololó”. Ela sempre reclamava dizendo que o nome certo não era aquele, mas ninguém levava a sério e todo mundo acabava comendo e rindo. Quando Vovô Gaspar era vivo e eles moravam na Fazenda Esperança, nos tempos de fartura do leite, eles faziam coalhada e juntavam nata para fazer manteiga batida à mão. Pronta a coalhada a mesma era cozida no fogão de carvão e em seguida mexida num tacho com a manteiga, produzindo então o chamado Queijo de Manteiga ou Queijo de Fogo, do qual eu tenho ótimas lembranças.
Certo dia, conversando com Vovó, falávamos sobre os avanços da medicina e as maravilhas da tecnologia humana como a televisão e o telefone; sobre as grandes obras de engenharia e até da chegada do homem à lua quando, de repente, ela disse com aquele jeito de avó, um jeito manso e sábio:
- É meu filho, Deus deu muita inteligência ao homem, mas para mim a coisa mais importante que o homem já inventou foi o fogão a gás.
É colegas, como já dizia o grande Einstein: "Tudo é relativo". Para quem vive na era do cyber espaço, notebook e vídeo conferência, o comentário de Vovó Lindalva pode soar como um absurdo, mas se nos colocarmos no seu lugar... Pensem bem! A coisa até que faz sentido.
Desejo a todos uma ótima semana, na qual possamos refletir sobre o valor de todas as dádivas que recebemos a cada dia, como a vida, a saúde, a família, os amigos, o trabalho... Aproveitando a oportunidade gostaria de repassar a toda a família caeté um abraço enviado por Nathalie Gazaneo, apesar dela ter dito que minhas histórias são de pescador... Sei não... Sei não...
Saúde e paz,
Virgílio Agra