sábado, 19 de janeiro de 2013

E haja bolacha!


Da esquerda para a direita:
Bolacha mimosa, bolacha sete-capas doce, biscoito da frança e tareco.

Colegas de todos os lugares

Que a grande rede é apenas um meio de manter contato com todos vocês, isso é óbvio. Que as Saudações Caetés é uma desculpa para contar causos e lembranças dos tempos passados, isso não é nenhum segredo. Que receber notícias de todos é um prazer enorme, isso é fácil de deduzir. Mas perceber que minhas lembranças fazem meus amigos remexerem os fundos dos seus próprios baús, isso é, para mim, recompensador, estimulante, etc. etc. etc.

Quando da última edição das Saudações, quando falei sobre as bolachas, um troço tão besta que em todo canto se acha, fui agradavelmente surpreendido com vários comentários recebidos que, de tão interessantes, não pude tirar da minha cabeça a idéia de dividi-los com vocês.

Lá das bandas da Cidade Maravilhosa, o meu irmão e caeté honorário Ivan Varella, como um bom carioca, primeiro tirou uma onda com minha cara quando disse:

 - Fiquei encantado com o relato das bolachas e imaginando você pela primeira vez na feira de São Cristóvão e como se diz por aqui devia ser "um pinto no lixo".

Mas, como os velhos tempos falaram mais alto, continuou:

 - Quanto às latas coloridas lembro bem, pois estas ficavam em exposição nas mercearias e depois nos supermercados, esta é uma das lembranças da minha infância, pois levávamos a quantidade que queríamos e hoje somos obrigados a comprar até mais do que iremos consumir.

Também das plagas cariocas, com os devidos pintos no lixo, mas com raízes mineiras, recebi um comentário da minha amiga do coração, Penha Faber que contou:

 - Lá nas Minas Gerais, quando eu era menina pequena não de Barbacena, mas de Leopoldina rsrs, também ficava alucinada pra ir à casa de minha tia "Bilanda" (Yolanda), porque ao chegar lá meu tio Tatá pegava sua bicicleta maravilhosa (era considerada a rival da minha tia rsrsrs) e ia toda tarde buscar os meus casadinhos e pães com creme em cima.
   Quantas vezes meu pai chegou em casa com aquelas latas quadradas de 20 quilos, cheinha de biscoitos, talvez por isso eu fiquei igual pinto no lixo, quando entro hoje nas seções de biscoitos.
   Acho que bem lá no fundinho resolvi optar por fazer pães, bolos etc. etc. para suprir, quem sabe? Toda aquela vontade de menina rsrsrs.


E também saído das terras mineiras, lá das bandas de Almenara, na beira do Rio Jequitinhonha, o meu compadre e caeté honorário Natanael Almeida, hoje residente na capital cearense, se banhando nas águas onde se banhou Iracema, comentou:

 - Moço, você me fez recordar de uma parte da minha infância, onde a meninada adorava Q-suco com bolacha, mesmo que as mães lamentassem: "Isso não alimenta direito."
   Estávamos mais preocupados com a "farra".
   Às favas o tal poder alimentício.


E é da beira do mar, lá das terras caiçaras de Peruíbe-SP, que minha prima Camila Fuzikawa, apaixonada por gatos, filha do grande santanense F. Nepomuceno e Elza, uma menina filha da terra do sol nascente, mandou um comentário que dizia mais ou menos assim:

 - Nesse seu relato, lembrei-me de uma casa do norte que tinha aqui no bairro da Estação, que vendia os tais mata-fome, que nunca tive o prazer (ou não) de experimentar. Minha mãe costumava brincar, dizendo que o mata-fome era capaz de matar até quem o comia... eu achava que era devido ao tamanho da bolacha, ou da limpeza do ambiente... no caso a falta dela.
   E, apesar de meu pai ser nordestino, ele não morria de saudades das comidinhas típicas vendidas nessas casas, então eu nem conhecia as iguarias lá vendidas.
   Mas os sete-capas vim a conhecer no ano passado, quando uma colega de trabalho passou a comprar de vez em quando nos nossos cafés da manhã, pois lembrava de sua infância. Ô treco ruim! Ninguém gostava, mas todo mundo acabava comendo "de raiva" como diziam, e acabamos pondo o apelido de hóstia quadrada, que sacrilégio.
   Tem coisas que nos remetem à infância, e nem são tão gostosos assim. Vale o valor sentimental das bolachinhas de R$ 1,00.

Pois bem queridos colegas, todas as histórias que um dia aqui contei, foram frutos de relatos que ouvi no passado. O que estamos vendo hoje, é que os leitores das Saudações começam a ser os protagonistas dos novos causos. Usar a escrita da grande rede é apenas uma forma de preencher a lacuna criada pela distância física que tenho de vocês. Saber que as Saudações Caetés mexem com as suas lembranças é a prova de que os nossos sentimentos de fraternidade são capazes de romper a barreira do tempo e do espaço. Muitos causos ainda estão para ser contados.

Caros colegas, lembrando a Camila que bolacha sete-capas de um real só pode ser muito ruim, desejo a todos uma ótima semana. Despeço-me com a frase da minha amiga Penha: Deus é pai e é maior, o bem vencerá, tenho fé que vai melhorar muito mais.

Saúde, luz e paz

Virgílio Agra

(Escrito em 12/12/2010)

PS: Muito mais do que um alimento popular, as bolachas representam realmente uma parte importante da culinária e cultura nordestina. Além das influências no falar, as bolachas inspiram poetas e estão presentes até na música regional. Um grande exemplo desta influência é a música “Tareco e mariola”, composta em 1993 por Petrúcio Amorim um cabra bom lá das bandas de Caruaru. Evocando nomes de plantas nativas do sertão nordestino como o “velame” e a “macambira” e comidas como o “mugunzá” e o “tareco”, Petrúcio elaborou uma música que exalta altivez do seu povo.
A propósito, “tareco” para quem não sabe, é um biscoito doce, feito em padaria e muito bom para acompanhar uma boa xícara de café quente.


domingo, 6 de janeiro de 2013

Que nem bolacha, em todo canto se acha



Colegas de todos os paladares

A semana que terminou, começou como uma semana qualquer, com aqueles ares de normalidade. No início da noite de terça-feira minha esposa foi me buscar no meu trabalho e, enquanto retornávamos para casa, aproveitamos para passar numa padaria para comprar uns pães, uma dessas atividades corriqueiras na vida dos pobres mortais. Tomamos o caminho do bairro da Pajuçara e fomos direto à Padaria Alteza, onde compramos os tais pães e uma preciosidade somente lá encontrada e em muitos lugares imitada, as Bolachas Mimosas. Sabe aqueles produtos que têm a capacidade de nos fazer lembrar de alguém? Pois bem, essas bolachas sempre me lembram meu pai. Como sou do interior, lembro-me que, sempre que papai vinha à capital comprava um saco dessas bolachas às quais muito apreciávamos.

A bolacha faz parte do hábito alimentar do nordestino desde épocas bem remotas. Quando Sua Majestade Imperial, o Imperador Dom Pedro II visitou o sertão nordestino, subindo o Rio São Francisco para conhecer a Cachoeira de Paulo Afonso, o mesmo escreveu no seu diário que, durante a ceia ocorrida em uma das fazendas onde ele pernoitou, comeu apenas bolachas porque não havia pães. Como estes últimos se estragavam com mais facilidade as bolachas tinham a preferência da população dos rincões mais distantes do país.

Tia Albertina conta que nos idos de 1930 ela foi morar no Sítio Caboré, na casa da minha bisavó Maria Rodrigues Gaia, Vovó "Dindinha". Naquela época, Tio "Badé" era solteiro, morava com os pais e cabia a ele a missão de ir semanalmente à feira em Olho D'Água das Flores. Quando Tio "Badé" partia, ela ficava ansiosa pela sua chegada.

 - “Porque ele trazia cocada e bolachão. Essas coisas que menino gosta”.

Quando eu era menino, o grande sucesso eram as Bolachas Sete Capas, mas eu também comi muitas vezes um bolachão que a gente chamava de "Mata Fome". O tal biscoito tinha um cheiro que a meninada dizia ser cheiro de xixi que era provocado pelo uso de amoníaco na sua fabricação. Mas, com cheiro ou sem cheiro, o produto era barato e por isso muito comercializado. Quando os biscoitos industrializados começaram a chegar ao sertão, vinham inicialmente embalados em latas coloridas, muito bonitas e, posteriormente, em embalagem de um papelão especial. Vinham do Recife e eram fabricados na Confeitaria Confiança, que eu ainda cheguei a conhecer na Rua da Imperatriz. Mas, foi o surgimento dos biscoitos Cream Cracker, Maria e Maizena que colocaram na defensiva a produção local das padarias. O proprietário de uma panificadora próxima à minha casa falou com saudosismo do tempo em que ele só vendia as bolachas que ele mesmo produzia. Convém ressaltar que a autêntica bolacha ficava exposta à venda num balaio, a granel, e o cliente pedia a quantidade desejada que era então pesada na hora. Neste ponto, vale o elogio à Padaria Alteza, lá da Pajuçara, que se mantém original, tanto no que diz respeito à qualidade do produto como na forma de comercialização.

Num período mais recente da minha vida, quando vivi quase um ano em terras cariocas, pude perceber a importância que tem a bolacha como elemento marcante da cultura nordestina. Na maior parte do Brasil o produto é chamado de biscoito, mas no nordeste é bolacha. Em terras gauchas, onde também se adota idêntica nomenclatura para o produto, a pronúncia usada é BOLACHA, assim com a letra "O" com som aberto. No nordeste nós dizemos "BULACHA", pronunciando a letra "O" com o som ultra-fechado, de modo que a 4ª vogal adota o som da vogal seguinte, ou seja, o som da letra "U".

No nordeste existe até um ditado que diz: "Aquilo é como bolacha, em todo canto se acha". Durante o meu exílio na cidade maravilhosa, quando eu ia às padarias do bairro onde morava, além dos pães, é lógico, e de bolos muito bem feitos, eu achava uma variedade tão grande de torradas que eu ficava admirado com a imaginação do padeiro. Porém, uma bolachinha sequer, lá não se achava. Digo, haviam aqueles biscoitos industrializados, com sal, sem sal, light, diet, com fibras, com sabor de cebola, queijo, alho, etc. etc. O produto vinha naquelas embalagens de plástico nas mais variadas cores e com aquela fitinha com a indicação de "puxe para abrir" que mais parece uma carteira de cigarros. Mas, BOLACHAS, dessas feitas nas padarias, só achei quando visitei o enclave nordestino da feira de São Cristóvão.

E foi nesta semana, que começou com este simples caeté comprando bolachas para comer com uma xícara de café, que terminou com uma histórica operação policial. Lá pras bandas das terras cariocas, a tropa de elite da vida real entrou na Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão, para dar umas boas e merecidas "bolachas" no crime organizado.

Meus caros amigos, espero sinceramente que os acontecimentos recentes no Rio de Janeiro não se limitem a uma operação policial. Espero que a ação tenha continuidade com a prestação aos cidadãos dos serviços necessários ao usufruto de uma vida digna a todos. Mas, diante das imagens divulgadas pela grande imprensa, não posso deixar de me preocupar com a segurança de todos os amigos que deixei naquela bela cidade. Espero que a semana que se inicia seja para todos de volta a mais perfeita normalidade.

Saúde, luz e paz... Muita paz

Virgílio Agra

PS: Há uns dias atrás fui a Padaria Alteza para comprar as Bolachas Mimosas e encontrei um novo estabelecimento, todo reformado com um “desaine” moderno. Procurei as bolachas e não vi o seu balaio, só as encontrei previamente embaladas em sacos plásticos, com aquela etiqueta colante com um código de barras. Para não dar a viagem perdida comprei um pacotinho, provei e pude constatar que o seu sabor não passou por qualquer reforma, mas o seu encanto, infelizmente, perdeu-se com a modernidade.

(Escrito em 29/11/2010)
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